Preliminarmente gostaríamos de salientar que, por uma questão didática, iniciaremos o estudo do tópico "Aplicabilidade e Interpretação das Normas Constitucionais" pelo subitem "Interpretação das Normas Constitucionais".
Não há dúvidas que a Constituição de um Estado deve ser interpretada, função esta atribuída ao exegeta que buscará o real significado dos termos e normas constitucionais.
A relevância de tal mister se revela, principalmente, pelo fato de as normas infraconstitucionais derivarem desta estrutura básica e central que é a norma constitucional. Assim, a interpretação deverá levar em consideração todo o sistema e, em caso de eventual antinomia (contradição) de normas, buscar-se-á a conciliação do conflito valendo-se de uma interpretação sistemática orientada pelos princípios constitucionais.
Fato é que o processo de interpretação das normas constitucionais é tarefa permanente, exercida precipuamente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que busca harmonizar os conceitos da realidade social, política, econômica e ideológica, com os fins efetivamente visados pelo legislador constituinte. Este processo de adequação da realidade histórica com a norma constitucional é que permite manter a contemporaneidade das Leis, principalmente a da Lei Maior, que é a nossa Constituição.
Enfim, a "renovação de entendimento" promovida através da aplicação da Lei aos casos concretos, como por exemplo, a definição do alcance de competência da Justiça do Trabalho para julgar ações de indenização decorrentes de acidente de trabalho: instaurado o conflito de competência - definida esta por norma constitucional - coube ao STF definir o alcance da norma, através da percepção do real intento do legislador que promoveu alteração na Carta Magna através da competente Emenda Constitucional.
Há diversos e distintos conceitos e nomenclaturas em relação à aplicabilidade das normas constitucionais. Vejamos os principais.
As Normas Constitucionais, no tocante à sua aplicabilidade, poderão ser normas de eficácia plena, contida ou ilimitada.
Normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral: são aquelas que no momento de sua edição, ou seja, no momento que entram em vigor, estão aptas a produzir todos os efeitos jurídicos, não carecendo de nenhuma norma complementar que lhe dê contorno definitivo: é a norma em seu estado "acabado", pronta para alcançar os fins visados pelo legislador constituinte.
Segundo José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia plena "são as que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua eficiência imediata...". Exemplos são os artigos 2.º, 20 e 21, para mencionar apenas 3 exemplos, todos da Constituição Federal de 1988.
Normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade direta, imediata, mas não integral: observe que há uma limitação na aplicação da norma, como bem revela, literalmente, o termo "eficácia contida".
Também denominadas de normas constitucionais de eficácia redutível ou restringível. Regra geral, estas normas precisam de uma regulação infraconstitucional que lhe restringirá os limites, genericamente estabelecidos pelo comando Constitucional. São identificados no texto constitucional pelas expressões "nos termos da lei", "na forma da lei", "a lei regulará", entre outras expressões similares. Vale destacar, entretanto, que há alguns casos em que tais expressões retratam norma de eficácia LIMITADA - ATENÇÃO. No mais das vezes, contudo, para que o dispositivo constitucional tenha eficácia plena e aplicabilidade integral, necessitará da chamada regulação infraconstitucional (normalmente, uma Lei Complementar).
Há, também, no rol das normas de eficácia contida, aqueles que dependem do acontecimento de pressupostos de fato: exemplo clássico é a "pena de morte" em caso de guerra declarada - estado de defesa e estado de sítio (nos termos do art. 84, IX, da CF/88).
Normas constitucionais de eficácia limitada e aplicabilidade mediata e reduzida (também chamada "diferida"): tais normas, a despeito de não produzirem os "efeitos-fim" vislumbrados pelo legislador constituinte, produzem efeitos jurídicos "reflexos", como, por exemplo, estabelecendo um dever para os legisladores ordinários, ou estabelecendo diretrizes e parâmetros vinculantes com a criação de situações jurídicas subjetivas de vantagem ou desvantagem. Outra situação, são as chamadas "normas programáticas": exemplo clássico e inafastável é o do salário mínimo "...capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo...". Evidente que trata-se de norma programática.
Outro exemplo oportuno, diga-se de passagem, é o disposto no art. 7.º, XX, da CF/88: "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;". O leitor atento formulará uma dúvida inafastável: "mas não seria este o caso de uma norma de eficácia CONTIDA ?". A resposta é não ! Observe que sem a edição de norma infraconstitucional o intento do legislador, com inequívoco intuito de proceder a tutela de um bem jurídico em estado de hipossuficiência ou desigualdade de fato, com vistas à almejada igualdade maior preconizada no art. 5.º, I, da CF/88, que ainda não se tornou realidade plena, redunda em profundo vazio. O dispositivo apenas cria uma obrigação ao legislador, que ao se omitir, torna inócuo o comando constitucional. Veja a diferença entre este dispositivo citado e o disposto no art. 5.º, XIII, da CF/88: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;" . Enquanto não for criada uma lei específica, estabelecendo uma ou mais exigências especificas, para o exercício de determinado trabalho, ofício ou profissão, não haverá restrição para o exercício respectivo. Este dispositivo, como fácil de perceber, não tem caráter programático, mas sim, estabelece a possibilidade de restrição e condicionamento de "trabalho, ofício ou profissão", às qualificações necessárias para o seu exercício (daí a nomenclatura sugerida por Michel Temer: norma de eficácia redutível ou restringível).