Nas formas de vida coletiva, podem assinalar-se dois
princípios que se combatem e que regulam diversamente as
atividades dos homens. Esses dois princípios encarnam-se
4 nos tipos do aventureiro e do trabalhador. Já nas sociedades
rudimentares, manifestam-se eles, segundo sua predominância,
na distância fundamental entre os povos caçadores ou coletores
7 e os povos lavradores.
Para uns, o objeto final, a mira de todo esforço, o
ponto de chegada, assume relevância tão capital, que chega a
10 dispensar, por secundários, quase supérfluos, todos os
processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto sem
plantar a árvore. Esse tipo humano ignora as fronteiras. No
13 mundo, tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde
quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos,
sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos
16 espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes
distantes.
O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga,
19 primeiro, a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar.
O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no
entanto, mede todas as possibilidades de desperdício e sabe
22 tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem
nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente restrito.
A parte maior do que o todo.
25 Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética
da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá
valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e,
28 inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades
próprias do aventureiro.
Por outro lado, as energias e os esforços que se
31 dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos
aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à
segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido
34 proveito material passam, ao contrário, por viciosos e
desprezíveis para eles.
Entre esses dois tipos não há, em verdade, tanto uma
37 oposição absoluta quanto uma incompreensão radical. Ambos
participam, em maior ou menor grau, de múltiplas combinações
e é claro que, em estado puro, nem o aventureiro nem o
40 trabalhador possuem existência real fora do mundo das ideias.
Mas também não há dúvida de que os dois conceitos nos
ajudam a situar e a melhor ordenar nosso conhecimento dos
43 homens e dos conjuntos sociais. E é precisamente nessa
extensão superindividual que eles assumem importância
inestimável para o estudo da formação e evolução das
46 sociedades.
Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, p. 13-4 (com adaptações).
A respeito das ideias apresentadas no texto de Sérgio Buarque de Holanda e da sua tipologia textual, julgue o(s) item(ns) que se segue(m).
Segundo o autor, o estabelecimento de fronteiras tornou-se obstáculo para a forma de vida coletiva que priorizava o trabalho realizado com planejamento e perspectiva de proveito material.
Certa. |
Errada. |
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