O jeitinho não se relaciona com um sentimento revolucionário, pois aqui não há o ânimo de se mudar o status quo. O que se busca é obter um rápido favor para si, às escondidas e sem chamar a atenção; por isso, o jeitinho pode ser também 5 definido como "molejo", "jogo de cintura", habilidade de se "dar bem" em uma situação "apertada". Em sua obra O Que Faz o Brasil, Brasil?, o antropólogo Roberto DaMatta compara a postura dos norte-americanos e a dos brasileiros em relação às leis. Explica que a atitude 10 formalista, respeitadora e zelosa dos norte-americanos causa admiração e espanto aos brasileiros, acostumados a violar e a ver violadas as próprias instituições; no entanto, afirma que é ingênuo creditar a postura brasileira apenas à ausência de educação adequada. 15 O antropólogo prossegue explicando que, diferente das norte-americanas, as instituições brasileiras foram desenhadas para coagir e desarticular o indivíduo. A natureza do Estado é naturalmente coercitiva; porém, no caso brasileiro, é inadequada à realidade individual. Um curioso termo – Belíndia – define 20 precisamente esta situação: leis e impostos da Bélgica, realidade social da Índia. Ora, incapacitado pelas leis, descaracterizado por uma realidade opressora, o brasileiro buscará utilizar recursos que vençam a dureza da formalidade se quiser obter o que muitas 25 vezes será necessário à sua sobrevivência. Diante de uma autoridade, utilizará termos emocionais, tentará descobrir alguma coisa que possuam em comum - um conhecido, uma cidade da qual gostam, a “terrinha” natal onde passaram a infância - e apelará para um discurso emocional, com a certeza de que a 30 autoridade, sendo exercida por um brasileiro, poderá muito bem se sentir tocada por esse discurso. E muitas vezes conseguirá o que precisa. Nos Estados Unidos da América, as leis não admitem permissividade alguma e possuem franca influência na esfera 35 dos costumes e da vida privada. Em termos mais populares, dizse que, lá, ou “pode” ou “não pode”. No Brasil, descobre-se que é possível um “pode-e-não-pode”. É uma contradição simples: acredita-se que a exceção a ser aberta em nome da cordialidade não constituiria pretexto para outras exceções. Portanto, o 40 jeitinho jamais gera formalidade, e essa jamais sairá ferida após o uso desse atalho. Ainda de acordo com DaMatta, a informalidade é também exercida por esferas de influência superiores. Quando uma autoridade "maior" vê-se coagida por uma "menor", 45 imediatamente ameaça fazer uso de sua influência; dessa forma, buscará dissuadir a autoridade "menor" de aplicar-lhe uma sanção. A fórmula típica de tal atitude está contida no golpe conhecido por "carteirada", que se vale da célebre frase "você 50 sabe com quem está falando?". Num exemplo clássico, um promotor público que vê seu carro sendo multado por uma autoridade de trânsito imediatamente fará uso (no caso, abusivo) de sua autoridade: "Você sabe com quem está falando? Eu sou o promotor público!". No entendimento de Roberto DaMatta, de 55 qualquer forma, um "jeitinho" foi dado.
(In: www.wikipedia.org - com adaptações.)
De acordo com o texto, é correto afirmar que:
a)
o jeitinho brasileiro é um comportamento motivado pelo descompasso entre a natureza do Estado e a realidade observada no plano do indivíduo. |
b)
as instituições norte-americanas, bem como as brasileiras, funcionam sem permissividade porque estão em sintonia com os anseios e atitudes do cidadão. |
c)
a falta de educação do brasileiro deve ser atribuída à incapacidade de o indivíduo adequar-se à lei, uma vez que ele se sente desprotegido pelo Estado. |
d)
a famosa “carteirada” constitui uma das manifestações do jeitinho brasileiro e define-se pelo fato de dois poderes simetricamente representados entrarem em tensão. |
e)
nos Estados Unidos da América, as leis influem decisivamente apenas na vida pública do cidadão, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as leis logram mudar comportamentos no plano dos costumes e da vida privada. |
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.