Quando a democracia surgiu na Grécia, por volta de 500 a.C., os atenienses fizeram questão de traçar uma linha nítida entre as esferas públicas e privadas. O poder do estado terminava onde começava a privacidade do lar. No âmbito doméstico, reinava a vontade do patriarca que tinha o poder de determinar os direitos e deveres de seus filhos, mulher e escravos. Para os gregos não havia atividade mais apaixonante e gloriosa do que participar da condução da polis. A política era a maneira civilizada de decidir os destinos da nação por meio do diálogo e da persuasão. O cidadão revelava sua grandeza de espírito e sua importância para a comunidade no debate de ideias, na defesa de proposições e nas vitórias no âmbito público. Um homem que levasse uma vida exclusivamente privada não passava de um insignificante animal doméstico, incapaz de participar da elaboração das decisões políticas que afetavam os destinos da nação.
Se Aristóteles ressuscitasse no final do século XX, ficaria horrorizado com a interferência do Estado na privacidade do cidadão. A sociedade moderna sequestrou a intimidade do indivíduo. É inimaginável uma atividade pública ou privada que não seja regulamentada por lei, por estatuto ou por norma. Se o governo não cria regras, a universidade as inventa ou o grêmio esportivo as impõe. A maioria das organizações privadas atua como uma grande estatal, que determina como seus membros devem agir, pensar e se comportar. O estado moderno erradicou a fronteira entre o público e o privado. Os assuntos públicos são tratados como questões privadas, e a privacidade passou a ser encarada como algo de interesse público.
(D’ávila, Luiz Felipe. In: República)
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