Antes do advento da internet, “bate-papo” signifi- cava conversa informal entre duas ou mais pessoas, em visitas e encontros de corpo e voz presentes. Um casal de mãos dadas na rua. Uma discussão 5 animada de bar. Ou, no máximo, à distância, por te- lefone, no fim do dia, para contar as últimas, falar mal dos outros ou se indignar com os preços do chuchu e o resultado do futebol. Por cartas não se batia papo: no máximo, troca- 10 vam-se correspondências, impressões, declarações, notícias da vida. As respostas demoravam dias, se- manas, meses. Poesia agônica. Extravios. Grandes verdades e mentiras. A internet e o e-mail mudaram o ritmo: a troca de 15 mensagens mais rápida logo permitiu que as “cartas” pudessem ser curtas, tão curtas quanto frases, tão di- retas quanto falas, tão sucintas quanto uma palavra, uma sílaba, um sinal de interjeição. Ou, mesmo, o vazio, reticente. [...] 20 Foi no ambiente de e-mails que surgiram os pri- meiros bate-papos eletrônicos exclusivamente textu- ais, em grande escala, trazendo toda uma nova gama de esferas informacionais. As novas senhoras da mensagem eram palavras 25 divorciadas de entonação e de expressão, com alto grau de ambiguidade, mas com intensidade e fre- quência ilimitadas: a qualquer hora do dia inicia-se, interrompe-se, termina-se ou continua-se uma con- versa.[...] 30 Mas é nas ferramentas de conversa instantânea das redes sociais (e também nos torpedos de celu- lar) que, creio, está acontecendo o fenômeno mais interessante e surpreendente das comunicações in- terpessoais dos dias de hoje. Certas trocas de infor- 35 mação, principalmente entre duas pessoas, estão se transformando, na prática, em formas concretas de telepatia. Não que ocorra a transmissão direta de pensa- mento, energética, via moléculas de ar, entre dois 40 cérebros emissores de ondas. É mais uma telepatia lato sensu e aleatória, no sentido de que a probabi- lidade de o conteúdo transmitido ser semelhante ao fluxo de pensamento naquela troca sequencial de informações é altíssima. 45 Pois, nessas horas, a velocidade frenética com que se escreve o que vai à mente não deixa muito espaço para elaboração, censura, reflexão, autoexa- mes ou juízos de causa-efeito. O superego fica assim sufocado e o inconsciente 50 começa a surgir em torrente, a despeito da vontade do emissor. Este se vê engendrado numa espécie de fusão com o outro, que se verte num espelho invisí- vel, e vice-versa, quando o caminho for de mão dupla confessional. 55 Assim, vidas inteiras, segredos íntimos, pensa- mentos transcendentes, temores de momento, impul- sos inesperados, insights são comerciados em pou- cos minutos, entre pessoas que mal se conhecem. O ritmo é muito semelhante ao da associação livre de 60 ideias, só que o intuito expresso não é o de uma ses- são de análise nem de um processo formal de escrita instantânea. Não é estética, não é arte, que se busca, embora ela possa estar presente na malha egoica obsessiva 65 e narcisista que ali se estabelece. É apenas uma von- tade de conversar convertida em espanto, tempesta- de, revelação. A sensação após essas catarses repentinas (às vezes em série) é de um alívio alienado de si: é pos- 70 sível até que o emissor sequer se lembre da maioria das coisas que disse ou para quantas pessoas, e que o mesmo ocorra com o receptor. Se o mesmo estiver numa vibração igual, pro- duzem-se verdadeiros milagres de aconselhamento 75 e fenômenos epifânicos. [...]
BLOCH, Arnaldo. Bate-papo é telepatia. O Globo, Rio de Janeiro, 2.º Caderno. 09 jun. 2012, p.10. Adaptado.
O texto faz uma distinção entre cartas e conversas em redes sociais, no sentido de que, entre outras características, cada um desses meios, respectivamente, apresenta
a)
conteúdo informacional; conteúdo confessional |
b)
rapidez de divulgação; lentidão na divulgação |
c)
anonimato do emissor; comprometimento do emissor |
d)
formalidade entre interlocutores; informalidade entre interlocutores |
e)
multiplicidade de receptores; individualização do receptor |
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