Leia o texto a seguir.
O advento das tecnologias eletrônicas na cultura contemporânea conduz a uma frutífera reflexão sobre a questão da virtualização dos saberes, circunstância própria da era informática na qual, de uma maneira geral, estamos todos inseridos. Certamente, jamais encontramos tanta facilidade para a divulgação imediata de 5 conteúdos tal como atualmente existe no sistema informático, circunstância que, interpretada por um viés otimista, representa uma democratização do processo de criação intelectual e sua consequente difusão pública. Nessas condições, Pierre Lévy afirma: "As atividades de pesquisa, de aprendizagem e de lazer serão virtuais ou comandadas pela economia virtual. O ciberespaço será o epicentro do mercado, o 10 lugar da criação e da aquisição de conhecimentos, o principal meio da comunicação e da vida social". A "Cibercultura" é um termo utilizado na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual. Estas comunidades estão ampliando e popularizando a utilização da Internet e outras tecnologias de comunicação, 15 possibilitando assim maior aproximação entre as pessoas de todo o mundo. Este termo se relaciona diretamente com as dinâmicas sociais, econômicas, políticas e filosóficas dos indivíduos conectados em rede, assim como a tentativa de englobar os desdobramentos que este comportamento requisita. Uma análise genealógica do conceito filosófico de virtual nos remete 20 diretamente a Aristóteles, que estabelece a célebre distinção entre ato, aquilo que está efetivamente realizado, e potência, aquilo que virá a ser e que existe em nível intensivo: "O que não tem potência de ser não pode existir em parte alguma, enquanto tudo o que tem potência pode também não existir em ato. Portanto, o que tem potência para ser pode ser e também pode não ser: a mesma coisa tem possibilidade 25 de ser e de não ser". É importante destacar que, para a consciência irrefletida do senso comum, o virtual representaria algo próprio do irreal, quiçá inexistente de fato. Todavia, tal perspectiva não corresponde ao significado filosófico de virtual: algo que existe sem possuir, todavia, concretude, caráter palpável, encontrando-se assim em estado de 30 potência; o virtual ainda não é de fato, atual, mas poderá vir a ser; assim sendo, o virtual de alguma maneira já existe, ainda que em uma dimensão não concreta. O virtual se caracteriza pela intensidade. A potência do virtual reside na sua fonte indefinida de atualizações, circunstância que transcende as naturais limitações espaço-temporais tal como existentes nos processos difusores comuns. Decorre 35 desse contexto a assimilação do conceito de virtual pelo jogo de linguagem da informática, ela mesma um modelo de discurso epistemológico que trouxe para o âmbito do pensamento humano a reflexão sobre a possibilidade de um meio desprovido de extensão fornecer aos seus usuários uma possibilidade de trocas constante de conteúdos informativos. Um meio virtual, no sentido amplo, é um 40 universo de possíveis, calculáveis a partir de um modelo digital. No entanto, o virtual não se contrapõe ao real tal como nós o conhecemos no cotidiano; é, na verdade, uma espécie de extensão desse mundo que denominamos como "real" por meio de instâncias imateriais, justamente pelo fato de não depender de bases concretas para se desenvolver: "O virtual não "substitui" o "real", ele 45 multiplica as oportunidades para atualizá-lo". Nessas condições, torna-se claro que, em cada momento de nossas existências e experiências, nos encontramos plenamente delineados pela condição virtual: "O mundo humano é "virtual" desde a origem, mesmo antes das tecnologias digitais, porque contém por todo o lado sementes do futuro, possibilidades inexploradas, formas por nascer que a nossa 50 atenção, os nossos pensamentos, as nossas percepções, os nossos atos e as nossas invenções não param de atualizar". A expansão da informática e sua culminação epistemológica pela Internet possibilitaram o desenvolvimento de um sistema colaborativo entre os indivíduos separados espaço-temporalmente em decorrência das condições físicas da própria 55 condição concreta da existência, mas virtualmente unificados pela grande rede: "Sujeitos e objetos, autores e destinatários perdem a sua bem distinta identidade em favor de redes contínuas de produção de informações". Em outras palavras, a mensagem parte de um centro difuso para atingir uma periferia numerosa de receptores separados entre si fisicamente. Esse processo comunicativo é o único que 60 torna os usuários centros ativos da construção dos modelos de contato interpessoal. Na era informática, a construção antropológica do saber se torna uma experiência multilateral, e não mais unilateral, conforme os princípios dogmáticos da instituição teológica normativa (sectária do argumento de autoridade), ou bilateral, disposição característica da relação dialógica; desse modo, todos os sujeitos 65 devidamente conectados na rede eletrônica tornam-se difusores de conceitos, informações, saberes. Pierre Lévy denomina essa experiência holística de "inteligência coletiva", pois a Internet depende, para o seu contínuo progresso, da atividade plena dos seus usuários, que elaboram de maneira interativa os conteúdos disponibilizados na rede virtual: "O problema da inteligência coletiva é descobrir ou inventar um além 70 da escrita, um além da linguagem tal que o tratamento da informação seja distribuído e coordenado por toda parte, que não seja mais o apanágio de órgãos sociais separados, mas se integre naturalmente, pelo contrário, a todas as atividades humanas, volte às mãos de cada um". A finalidade da inteligência coletiva consiste em colocar os recursos das grandes coletividades ao serviço das pessoas e dos 75 pequenos grupos, e não o contrário. Trata-se do deslocamento de um sistema em que o emissor produz um discurso, enviando-o em seguida para um grupo de receptores para uma estrutura de comunicação multidirecional, onde não está definido quem são os emissores e os receptores. O filósofo polonês Adam Schaff postulava que a sociedade informática 80 permitirá a formação do homem universal, no sentido de sua formação global, que lhe permitirá fugir do estreito caminho da especialização unilateral e não de se libertar do enclausuramento numa cultura nacional - para converter-se em um cidadão do mundo no melhor sentido do termo. Nesse sentido, o jogo de linguagem da Internet exige do usuário uma 85 transformação em seus paradigmas intelectuais, sustentados tradicionalmente por uma adequação a um modelo epistemológico de caráter centralizador próprio da configuração ideológica da cultura ocidental, marcada pelo respeito cego ao argumento de autoridade e aos discursos universalistas próprios da tradição ocidental. Para Pierre Lévy, "O uso socialmente mais rico da informática comunicacional 90 consiste, sem dúvida, em fornecer aos grupos humanos os meios de reunir suas forças mentais para constituir coletivos inteligentes e dar vida a uma democracia em tempo real".
BITTENCOURT, Renato Nunes. Filosofia,Ano VI, n.º 68 (Adaptado)
O problema da inteligência coletiva é descobrir ou inventar um além da escrita, um além da linguagem tal que o tratamento da informação seja distribuído e coordenado por toda parte, que não seja mais o apanágio de órgãos sociais separados, mas se integre naturalmente, pelo contrário, a todas as atividades humanas, volte às mãos de cada um. (linhas 69 – 73)
A expressão em destaque, no trecho acima, foi utilizada para contrapor-se a:
a)
Um inventar além da escrita. |
b)
Um além da linguagem. |
c)
Apanágio do argumento de autoridade. |
d)
Apanágio de órgãos sociais isolados. |
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