Escusando-me1 por repetir truísmo2 tão martelado, mas movido pelo conhecimento de que os truísmos são parte inseparável da boa retórica narrativa, até porque a maior parte das pessoas não sabe ler e é no fundo muito ignorante, rol no qual incluo arbitrariamente você, repito o que tantos já dizem e vivem repetindo, como quem usa chupetas: a realidade é, sim, muitíssimo 5 mais inacreditável do que qualquer ficção, pois esta requer uma certa arrumação falaciosa3, a que a maioria dá o nome de verossimilhança. Mas ocorre precisamente o oposto. Lê-se ficção para fortalecer a noção estúpida de que há sentido, lógica, causa e efeito lineares e outros adereços que integrariam a vida. Lê-se ficção, ou mesmo livros de historiadores ou jornalistas, por insegurança, porque o absurdo da vida é insuportável para a vastidão dos desvalidos que povoa a Terra.
João Ubaldo Ribeiro
Diário do Farol. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
1 escusando-me − desculpando-me
2 truísmo − verdade trivial, lugar comum
3 falaciosa − enganosa, ilusória
O título do texto soa contraditório, se a verossimilhança for tomada como uma semelhança com o mundo real, com aquilo que se conhece e se compreende.
Essa contradição se desfaz porque, na interpretação do autor, a ficção organiza elementos da vida, enquanto a realidade é considerada como:
a)
linear. |
b)
absurda. |
c)
estúpida. |
d)
falaciosa. |
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