Quando ronca, o motor do caminhão ecoa trovoada. É só lembrança – esperança de sertanejo. São 8.558 “pipeiros” contratados pelo governo para levar água a 1.087 lugarejos, onde a caatinga estende-se “de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas” – como descreveu o alagoano Graciliano Ramos 76 anos atrás. A vida continua na seca.
Nos últimos três meses, os “pipeiros” desapareceram de algumas áreas do sertão cearense. A Assembleia Legislativa recebeu relatos de quatro dezenas de casos e identificou a origem do problema: os contratados não prestaram contas ao governo. Seguiu-se um “rigoroso inquérito administrativo”. Até acabar, não sai pagamento. Muito menos “pipa”.
Faz tempo que as últimas arribações sumiram do céu azul. Na vida em tempo de seca braba, fartura só de sede. E de burocracia.
Mais abaixo, em Natal (RN), o governo anuncia a devolução de verbas federais (R$ 10 milhões, com juros). O dinheiro não foi investido, como previsto, em segurança pública estadual “devido a fatores burocráticos”.
Dois mil quilômetros ao sul, em Araçatuba (SP), a prefeitura conseguiu terminar a reforma de um Restaurante Popular, capaz de servir até 300 pratos de comida por dia. A obra custou R$ 1 milhão. Atravessou longos 28 meses, na cadência de falência de fornecedores, mudanças no projeto e licitações refeitas. Está pronto, mas continuará fechado. Até a liberação federal.
(....) Há 47 anos, por decreto da ditadura, aboliu-se a exigência de reconhecimento de firma em documentos. Agora, 17 mil dias depois a Receita Federal anuncia em portaria que, em oito semanas, vai cumprir essa regra de boa-fé nas relações com os contribuintes. Com uma exceção, ressalva: “Nos casos em que a lei determine”.
Regulamentos não faltam. Foram editados 4,7 milhões desde a Constituição de 1988, calcula o Instituto Brasileiro do Planejamento e Tributação. São 524 novos por dia. Na eleição presidencial de outubro o país deverá somar 5 milhões de leis e normas, para tudo e para todos. É um caso de suicídio nacional por asfixia burocrática.
José Casado, O Globo, 21/01/2014
"Quando ronca, o motor do caminhão ecoa trovoada. É só lembrança - esperança de sertanejo." O comentário CORRETO sobre os componentes desse segmento inicial do texto é:
a)
o ronco do caminhão aparece como um aviso trágico sobre a tragédia da seca. |
b)
a esperança do sertanejo é a de que os caminhões continuem abastecendo de água a região da seca. |
c)
o ronco do motor ecoa trovoada e isso lembra ao sertanejo a chuva, que continua em sua esperança. |
d)
o ronco do motor do caminhão só traz ao sertanejo esperança vã, pois a realidade é bem cruel. |
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