ACESSE GRATUITAMENTE + DE 450.000 QUESTÕES DE CONCURSOS!

Comentários / Empresa de Pesquisa Energética - EPE - Assistente Administrativo - CESGRANRIO - 2010 - Prova Objetiva


A Vista

Estava falando ao telefone com um velho

amigo, que mora há anos fora e com quem não tinha

contato há muito tempo. Como tenho o costume de

andar de um lado para outro quando estou ao telefone

5  (sem fio, claro), caminhei até a janela e, meio distraída,

me peguei olhando para o terraço diante de mim,

um estacionamento que vive repleto de carros. É uma

visão que me desgosta, pois, no passado, quando o

shopping vizinho ainda não tinha sido construído, toda

10  a beleza da Lagoa Rodrigo de Freitas se descortinava

à minha frente.

– Sabe de uma coisa que nunca lhe contei? –

disse a meu amigo. – Eu perdi a vista.

Houve alguns segundos de silêncio do outro

15  lado do fio. Imaginei o que ele estava sentindo. Como

me conhece desde adolescente, muitas vezes se debruçou

na janela da minha sala para apreciar, de dia

ou de noite, aquela beleza toda: de dia, o espelho

d’água com seus diferentes matizes, variando segundo

20  a hora e a estação do ano, e por trás a sinuosidade

das montanhas, do Sumaré ao Cantagalo, passando

pelo paredão do Corcovado; à noite, o mesmo espelho,

só que transformado numa miríade de luzes, os

prédios acesos duplicados nas águas, tendo ao fundo

25  o paredão escuro – então quase invisível – das montanhas

silenciosas. E mais as festas, os fogos, as noites

de lua. E mais os domingos de regata, a água da

Lagoa pontilhada de velas brancas ou riscada pelos

barcos a remo. E ainda, mais recentemente, nos Natais,

30  a árvore e seus brilhos, suas luzes mutantes, acendendo

a água, deixando entrever no espelho noturno

as figuras minúsculas e curiosas dos pedalinhos. Todo

um mundo de beleza que sempre atiçou minha imaginação,

enquanto tentava pensar em como é a vida

35  dos homens que dormem dentro daquela engrenagem,

por entre os ferros que sustentam milhares de pequenas

lâmpadas.

Tudo isso talvez estivesse passando na mente

de meu amigo naqueles segundos de silêncio – ou

40  terá sido na minha própria?

O silêncio continuava. Meu amigo devia estar

chocado. Eu, já nem tanto. Tenho procurado me acostumar.

Afinal, é bom ter um shopping tão pertinho, com

teatro, cinemas, uma livraria querida. A princípio, achava

45  que jamais iria lá, mas aos poucos fui me conformando.

Hoje até passeio por suas lojas, faço ali as

compras de última hora, pela conveniência de ter tudo

aberto até mais tarde – embora ainda continue sempre

dando preferência às lojas de rua.

50  Com o passar dos anos, até já esqueci o inferno

inferno

que foi a construção do shopping, o metralhar

de mil britadeiras ao mesmo tempo, o som surdo do

bate-estacas, o estalar dos metais, a poeira fina, o

cheiro de piche, o dia todo, de manhã à noite, dia após

55  dia, semana após semana, meses e meses, um ano

depois do outro. Foram sete anos. Sete anos, como

no sacrifício do pastor que servia a Labão. Sete anos

vendo a pedreira da minha infância sendo raspada,

retalhada e finalmente morta, sem piedade. A pedreira

60  aonde, no início dos anos 1960, eu ia com meu

irmão e seus amigos para soltar pipa. Se fecho os

olhos, quase posso sentir o contato morno da pedra

que guardava o sol, o cheiro do capim balançando ao

vento. Mas tudo isso acabou, paciência. O Leblon

65  mudou, o mundo mudou, o que fazer? Não gosto de

saudosismo. Há tantas coisas boas por aí, não é?

Do outro lado do fio, meu amigo continuava

mudo. E então falou:

– Você perdeu... o quê?

70  – Perdi a vista – repeti. – Acho que ainda não

tinha contado. Ou tinha?

E só então me dei conta de que a frase guardava

dois significados: aquilo poderia querer dizer que

eu perdera a visão. Isso explicaria o silêncio prolongado

75  dele. Então me apressei a completar:

– Estou falando do shopping que construíram

aqui. Não dá mais para ver a Lagoa da minha janela.

Meu amigo riu, eu também. E acabamos falando

daquele provérbio chinês, do homem que, reclamando

80  de não ter sapatos, encontra um que não

tem pés. Desliguei o telefone e dei um suspiro. Que

bom que só preciso de óculos para leitura. E quando

quiser ver a Lagoa, ainda posso ir até suas margens

e encher os olhos.

SEIXAS, Heloisa. In Seleções, jun.2009.

Questão:

Observe a frase:

“A pedreira aonde, no início dos anos 1960, eu ia com meu irmão e seus amigos para soltar pipa.” (L. 59-61).

A palavra “aonde” está corretamente empregada, tal como no trecho, em:

Resposta errada
a)

Aonde você colocou o telefone sem fio?

Resposta errada
b)

Este é o bairro aonde nasci e fui criado.

Resposta errada
c)

Gostaria de saber aonde você está agora. 

Resposta errada
d)

O pedido será enviado à direção do shopping, aonde será analisado. 

Resposta correta
e)

Para manter o público informado, a imprensa deve ir aonde a notícia está.

Comentários

Ainda não há comentários

Deixe o seu comentário aqui

Para comentar você precisa estar logado.
E-mail: Senha:

Não é cadastrado?

⇑ TOPO

 

 

 

Salvar Texto Selecionado


CONECTE-SE

Facebook
Twitter
E-mail

 

 

Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.