Por coincidência, esbarrei nestes últimos dias
com várias reportagens sobre o sono. Parece que a
medicina anda preocupada com a falta ou o excesso
dele. Alguns amigos também. Nas conversas sobre
5 o tema, costumo ser o único a não ter do que me
queixar: sou bom de cama. Até demais. Durmo na
hora que quero, durante o tempo que preciso e às
vezes até no lugar indevido. Quando dirigia, chegava
a ser acordado com a buzina do carro de trás ao se
10 abrir o sinal vermelho de trânsito. No entanto, conhe-
ço pessoas que vivem reclamando de insônia. Passam
parte da vida em claro. Eu as invejava, achando
que desse jeito o dia rendia mais, dando tempo
para ler os livros que a gente não consegue, além
15 de poder escrever, ouvir música, responder e-mails.
Soube depois que não é bem assim, pois se trata de
um incômodo mal-estar. Um mistério é por que não
tenho déficit de sono, se deito tarde (uma, duas da
manhã) e acordo cedo, em geral às seis? Quando me
20 perguntam como é que pode, faço cara de fenômeno
e só depois conto, o que vou fazer daqui a pouco. (...)
Do que aprendi nas minhas leituras, porém, o
que mais me interessou foi a matéria esclarecendo
o meu "caso", que felizmente nada tem a ver com a
25 chamada "doença do sono". É que um estudo acaba
de revelar que dormir ou cochilar depois do almoço
faz bem à saúde, principalmente a mental. O hábito
estimula a aprendizagem e amplia os processos cognitivos.
Já permanecer acordado muito tempo prejudica
30 o armazenamento de novas informações. Como
faço a sesta todo dia, estou bem, e esse é o meu segredo.
Antes, tinha pudor de confessar. Dava sempre
uma desculpa, pedia para dizerem ao telefone que
não estava etc. Temia que as pessoas me achassem
35 um preguiçoso. Se a verdade fosse dita, alguém do
outro lado ia suspirar: "Isso é que é vida!" Com a des-
coberta de que a sesta é uma necessidade biológica
que faz a gente ficar mais inteligente, assumi o hábito
com orgulho, pois passei a me sentir mais... vocês
40 não perceberam? Então é porque ainda não deu para
notar.
Quem puder, faça como eu, mas, se dormir, não
dirija.
VENTURA, Zuenir. O Globo, 29 maio 2010.
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