1 As experiências perdidas constituem uma rede de lembranças legítimas. Pode até ser que o vivido mesmo, pão pão, queijo queijo, ocupe uma parte bem reduzida de nossas 4 memórias. Penso que existe um acervo de saudades lotado de imagens do que se viveu só através de relatos alheios, da literatura e da imaginação. É possível ter saudades, por 7 exemplo, da infância da sua avó, se ela te contou episódios com graça, imaginação e alguma nostalgia. Algumas cenas contadas por ela passam a te pertencer também. 10 As saudades do que eu queria ter feito e não fiz se constroem de trás pra frente. É depois, só depois, que você se dá conta de que prestou atenção ao que acontecia à sua direita 13 e não percebeu algo muito mais interessante que se passava à esquerda. Ou vice-versa. Claro, existem também as escolhas. Nesse caso penso que se eu quisesse mesmo, mesmo, fazer x 16 em vez de y, teria feito. Essa coleção de vacilos escreve uma história. No horizonte virtual das possibilidades que foram deixadas pra traz, deve haver um duplo meu, vivendo a vida 19 que foi dos outros. Não recebi o impacto dos primeiros filmes de Glauber Rocha, nem do Godard dos anos 60. Mas não me entrego não 22 — em matéria de filmes e livros, tudo se recupera. Viva os livros e filmes que não li nem vi. Por conta deles, estou salva do tédio até morrer. 25 A lista das coisas perdidas não tem fim. Só as canções eu não deixei passar. As canções me salvaram de ficar fora do mundo. Estavam todas no ar, trazidas pelo vento diretamente 28 para minha memória musical. Respirei canções, sonhei canções, entendi o Brasil desde o primeiro samba, porque existem as canções. Vivi sempre a condição dessa cidadania 31 dupla, uma vida no chão, outra no plano das canções que recobrem o mundo ou, pelo menos, o país em que nasci. As canções ampliaram o meu tempo, transcenderam o presente e, 34 numa gambiarra genial, juntaram um monte de pontas soltas desde antes de eu nascer. As canções: já que não virei cantora — opa: eis aí um 37 arrependimento sincero! —, espero um dia escrever alguma coisa à altura delas. Maria Rita Khel. In: Internet: <www.mariaritakehl.psc.br> (com adaptações).
Em relação à interpretação do texto e às estruturas linguísticas usadas, assinale a opção correta.
a)
Seriam preservados o sentido original do texto e sua correção gramatical caso o trecho “Penso que existe (...) da literatura e da imaginação” (l.4 a 6) fosse reescrito da seguinte forma: Só através de relatos de outros, da literatura e da imaginação, penso haver uma coleção de saudades lotada de imagens do que foi vivido. |
b)
A correção gramatical e o sentido do texto seriam mantidos caso fosse empregado sinal indicativo de crase no “a” que introduz o vocábulo “condição”, na linha 30. |
c)
A oração “já que não virei cantora” (l.36) expressa uma condição relativa à ideia expressa pela oração “espero um dia escrever alguma coisa à altura delas” (l.37 e 38). |
d)
Seria mantida a correção gramatical do texto caso o trecho “As canções (...) nascer” (l.32 a 35) fosse reescrito da seguinte forma: Numa gambiarra genial, as canções juntaram um monte de pontas soltas desde antes de eu nascer, além de terem ampliado o meu tempo e de terem transcendido o presente. |
e)
Dado seu caráter adverbial, na linha 2, o vocábulo “mesmo” poderia ser deslocado para imediatamente após a forma verbal “ser”, sem prejuízo do sentido e da correção gramatical do texto. |
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