Na literatura internacional da Ciência Política, é hoje dominante o entendimento de que democracia é um arcabouço institucional para a pacificação das lutas inerentes à conquista e ao exercício do poder, não um padrão de sociedade fundado na igualdade socioeconômica substantiva. A democracia surge historicamente em sociedades com profunda desigualdade, estratificadas, sendo muito mais causa que consequência da redução das desigualdades sociais.
De fato, certa tensão entre os conceitos institucional e substantivo da democracia existe por toda parte, mas articula-se de maneira específica no pensamento de cada país. Durante todo o século XX, a avaliação de que democracia só é “autêntica” quando estreitamente associada a avanços no plano da igualdade foi compartilhada por correntes ideológicas diversas.
Endossar o conceito analítico da democracia como um arcabouço político-institucional, a meu ver correto, não significa que o corpo de hipóteses históricas e empíricas que explica a consolidação da democracia como sistema em casos concretos possa passar ao largo das desigualdades sociais e dos obstá- culos culturais delas decorrentes. Como processo histórico, a evolução da democracia representativa deve ser compreendida como resultante de dois vetores. De um lado, a formação de uma autoridade central capaz de arbitrar disputas de poder, inclusive mediante a elaboração de uma complexa aparelhagem eleitoral; de outro, o crescimento econômico, com todas as implicações para a elevação do piso de bem-estar e desconcentração das posições de privilégio, status. Num período dilatado de tempo, tal processo propicia efetiva redistribuição de renda e riqueza, facilita o surgimento econômico e político de uma classe média e torna mais provável o fortalecimento da “sociedade civil”.
Desde a Segunda Grande Guerra, o principal determinante da estabilidade democrática foi o crescimento econômico. Mesmo democracias que no início pareciam débeis foram se robustecendo à medida que ascendiam a níveis mais altos de renda per capita, melhoravam seus níveis educacionais e conseguiam atender as demandas básicas da população. Mas nada assegura que a configuração de fatores relevantes para a estabilidade permanecerá a mesma até, digamos, a metade do presente século. Na América Latina, o regime democrático sabidamente convive com níveis infamantes de desigualdade social, corrupção e criminalidade, e se beneficia cada vez menos da força moderadora de valores e instituições “tradicionais”. Assim, até onde a vista alcança, a estabilidade e o vigor da democracia dependerão muito do desempenho do sistema político e do aprimoramento moral da vida pública.
(Adaptado de: LAMOUNIER, Bolivar. “Democracia: origens e presença no pensamento brasileiro."
In: Agenda cultural. São Paulo, Cia. das Letras, 2009. p. 148-150)
A redação de um livre comentário sobre o assunto do texto, escrita com correção e lógica, encontra-se em:
a)
Devido ao Iluminismo, à Revolução Francesa e a outros processos correlatos, dos quais emerge a figura do homem com um direito natural à felicidade, o século XVIII é um momento decisivo na consolidação das democracias modernas. |
b)
Como qualquer outro tipo de Estado, o Estado democrático exerce o poder e quando necessário emprega a força; porém, o fazem dentro de restrições constitucionais e de cultura política em geral severa. |
c)
A longo prazo, a evolução do sistema democrático-representativo pode ser compreendido como resultante não só do crescimento econômico, mas também do bom funcionamento das instituições eleitorais. |
d)
O plebiscitarismo, uma das vertentes da democracia, provém de Rousseau e, como diversos intérpretes tem assinalado, consiste na crença na superioridade ética de um governo continuamente dependente da legitimação pela massa dos cidadãos. |
e)
Montesquieu, um dos grandes filósofos políticos e escritor francês idealizou intelectualmente a democracia como um sistema institucional por meio do qual se viabiliza competições políticas pacíficas. |
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