Atenção : Para responder à questão, considere o trecho de Machado de Assis, constante da série "A Semana", crônica publicada no dia 23 de outubro de 1892, na Gazeta de Notícias, jornal que circulou na segunda metade do século XIX, no Rio de Janeiro.
Todas as cousas têm sua filosofia. Se os dous anciãos que o bond elétrico atirou para a eternidade esta semana, houvessem já feito por si mesmos o que lhes fez o bond, não teriam entestado com o progresso que os eliminou. É duro dizer; duro e ingênuo, um pouco à La Palisse; mas é verdade. Quando um grande poeta deste século perdeu a filha, confessou, em versos doloridos, que a criação era uma roda que não podia andar sem esmagar alguém. Por que negaremos a mesma fatalidade aos nossos pobres veículos?
Há terras onde as companhias indenizam as vítimas dos desastres (ferimentos ou mortes) com avultadas quantias, tudo ordenado por lei. É justo; mas essas terras não têm, e deveriam ter, outra lei que obrigasse os feridos e as famílias dos mortos a indenizarem as companhias pela perturbação que os desastres trazem ao horário do serviço. Seria um equilíbrio de direitos e responsabilidades. Felizmente, como não temos a primeira lei, não precisamos da segunda, e vamos morrendo com a única despesa do enterro e o único lucro das orações.
Obs.: Jacques de la Palice (ou de la Palisse): nobre e militar francês (1470-1525); à La Palisse: à moda de truísmo.
(COUTINHO, Afrânio. Obra completa. org. v. III. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A, 1997, p. 553)
É legítimo o seguinte comentário sobre o trecho transcrito:
a)
A palavra filosofia deve ser entendida, no contexto, como um atributo que conduz a um tipo de sabedoria, a que, desvinculada da realidade empírica, ultrapassa o senso comum, sempre preso à existência concreta. |
b)
A crônica de Machado de Assis subliminarmente legitima o princípio expresso na máxima "olho por olho, dente por dente", entendida como aplicação de castigo ao criminoso na mesma proporção da ofensa recebida, pena aplicada pelas mãos da própria vítima. |
c)
No excerto, Machado de Assis trata um fato cotidiano como motivo de experiência e reflexão, de que, por meio de um dizer irônico e aparentemente descomprometido, resultam ponderações que propiciam ao leitor o exercício de ver o mundo sob óptica inovadora. |
d)
Aquilo que o cronista relata sobre um grande poeta do século XIX permite a correta dedução de que a filha que inspirou versos doloridos foi vítima de um acidente idêntico ao que vitimou os anciãos. |
e)
A referência à La Palisse denota que o cronista considera duro mencionar os perigos da roda quando se versa sobre episódios que envolvem desfechos fatais para as pessoas; duro, mas necessário. |
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