1 Longe de mim a convicção de que a palavra arcaica diz a verdade, e de que a nós cabe a ela retornar - armados dos novos meios da exegese - para descobrir os segredos permanentes do "coração humano", da 5 "natureza humana", do "estar-no-mundo". Por haver enunciado um primeiro sistema de representação - mais simples, mais vigoroso -, a palavra arcaica não tem outro privilégio, na minha opinião, se não o de ter sido a primeira a aparecer, e de ter por vezes imposto 10 às eras consecutivas conservá-la na memória (consciente ou inconscientemente), para a repetir, transpor ou contradizer. O valor etimológico que se tem o direito de atribuir à palavra arcaica não implica mais do que uma relação de derivação: para atribuir-lhe uma 15 autoridade superior, seria preciso admitir, por princípio, que tudo que foi anunciado no começo conservou a mais alta validade possível. O que foi proferido, imaginado, narrado na mais distante profundeza temporal a que possamos remontar não faz parte, por 20 isso, das bases mais "profundas" do indivíduo. [...] No entanto, a imagem do passado conservado é sedutora. Essa imagem não cessou de nos manter sob seu encanto. Para justificá-la, é comum tomar de empréstimo à biologia a noção de herança filogenética. 25 Conhece-se o uso que dela fez Freud, com a ideia do "fantasma originário" etc. Mitos e arquétipos reclamam o mesmo estatuto: sua antecedência, na ordem genética, parece dever assegurar-lhes uma posição e uma função centrais, na ordem estrutural. Respeitamo-los como se, 30 por pertencer ao passado da espécie, adquirissem títulos suficientes para constituir a interioridade (o dentro do indivíduo). Quem quer que, a partir daí, se pusesse à escuta da palavra arcaica, empreenderia uma viagem para dentro, orientar-se-ia para esse lugar 35 nuclear de si próprio em que perdura e persiste a origem... Pensamento sedutor, e cuja sedução está ligada a um postulado que escapa a toda demonstração: esse postulado é o do caráter universal e pregnante da palavra arcaica (ou do acontecimento 40 arcaico). Na falta do que não se compreenderia que sua herança tenha podido inscrever-se posteriormente em todos os indivíduos. [...]
(Jean Starobinski. À guisa de epílogo: "Odeio como as portas do Hades...". In As máscaras da civilização:
ensaios. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 261-262)
Considerado o segundo parágrafo, é correto afirmar:
a)
Em Na falta do que (linha 40), o termo destacado pertence à mesma classe de palavra a que pertence o que se destaca em "Há um quê difícil de definir nessa sua versão do fato". |
b)
O primeiro e o segundo períodos exemplificam caso de redundância que deve ser evitada, pois o segundo, meramente descritivo do já dito, não representa nenhum acréscimo ao desenvolvimento da argumentação. |
c)
A frase introduzida por No entanto (linha 21) denota raciocínio que se contrapõe a inferência que argumentos anteriores propiciam; comprova-se essa ideia pela pertinência da substituição do conector por "Ainda assim". |
d)
O emprego das formas verbais pusesse, empreenderia, orientar-se-ia (linhas 33 e 34), impondo uma natureza hipotética às ideias enunciadas no período, contamina o parágrafo, impedindo que outros fatos neste referidos sejam tomados em sua certeza. |
e)
A forma verbal tenha podido (linha 41) foi empregada para exprimir fato considerado como certo no futuro. |
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