Texto II
No Brasil das últimas décadas,
a miséria teve diversas caras.
Houve um tempo em que, romântica, ela batia à
nossa porta. Pedia-nos um prato de comida. Algumas
vezes, suplicava por uma roupinha velha.
Conhecíamos os nossos mendigos. Cabiam nos
5 dedos de uma das mãos. Eram parte da vizinhança.
Ao alimentá-los e vesti-los, aliviávamos nossas consciências.
Dormíamos o sono dos justos.
A urbanização do Brasil deu à miséria certa
impessoalidade. Ela passou a apresentar-se como um
10 elemento da paisagem, algo para ser visto pela janelinha do carro,
ora esparramada sobre a calçada, ora
refugiada sob o viaduto.
A modernidade trouxe novas formas de contato
com a riqueza. Logo a miséria estava batendo, suja,
15 esfarrapada, no vidro de nosso carro.
Os semáforos ganharam uma inesperada função
social. Passamos a exercitar nossa infinita bondade
pingando esmolas em mãos rotas. Continuávamos de
bem com nossos travesseiros.
20 Com o tempo, a miséria conquistou os tubos de
imagem dos aparelhos de TV. Aos poucos, foi perdendo a docilidade.
A rua oferecia-nos algo além de água
encanada e luz elétrica.
Os telejornais passaram a despejar violência
25 sobre o tapete da sala,
aos pés de nossos sofás. Era
como se dispuséssemos de um eficiente sistema de
miséria encanada.
Tão simples quanto virar uma torneira ou acionar o interruptor, bastava apertar o botão
da TV. Embora violenta, a miséria ainda nos excluía.
30 Súbito, a miséria cansou de esmolar. Ela agora
não pede; exige. Ela já não suplica; toma.
A miséria não bate mais à nossa porta; invade.
Não estende a mão diante do vidro do carro; arranca
os relógios dos braços distraídos.
35 Acuada, a cidade passou de opressora a vítima
dos morros. No Brasil de hoje, a riqueza é refém da
miséria.
A constituição do perfil da miséria no Brasil está
diretamente relacionada com a crescente
40 modernização do país.
SOUZA, Josias de. “A vingança da miséria”. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 31 out. 1994.Caderno Opinião, p.2. (Adaptado)
"A urbanização do Brasil deu à miséria certa impessoalidade. Ela passou a apresentar-se como um elemento da paisagem, algo para ser visto pela janelinha do carro, ora esparramada sobre a calçada, ora refugiada sob o viaduto.A modernidade trouxe novas formas de contato com a riqueza. Logo a miséria estava batendo, suja, esfarrapada, no vidro de nosso carro." (L. 8-15).
Considerando a norma padrão da Língua Portuguesa no fragmento, afirma-se corretamente que:
a)
a supressão da preposição em "passou a apresentar-se" (L. 9) prejudica a correção da frase. |
b)
a forma verbal correspondente a passou, no plural, mantendo-se o tempo e o modo, é "passam". |
c)
as conjunções ora.ora, no fragmento "ora esparramada sobre a calçada, ora refugiada sob o viaduto." (L. 11-12), aditam duas idéias que expressam a mesma noção de finalidade da ação. |
d)
o deslocamento do adjetivo "novas" (L. 13), com as devidas alterações, produz "formas novas de contato com a riqueza", com forte prejuízo do sentido original. |
e)
o termo destacado na frase "A urbanização do Brasil deu à miséria certa impessoalidade." (L. 8-9) exerce a função de adjunto. |
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