Os aviões, estou convencida, são as melhores salas de leitura da modernidade — até me pergunto se têm me dado mais prazer como viajante ou como leitora. Ali ninguém nos interrompe, cessam as solicitações 5 doméstico/profissionais, o telefone não toca e, na maior parte do tempo, não há sequer um panorama capaz de nos distrair. Além disso, a consciência está tranquila, porque só o fato de estarmos no avião já representa o cumprimento de um dever. Enfim, no avião a leitura 10 recupera seu status de direito sagrado. Pois bem, estava eu recentemente acima das nuvens, em pleno usufruto desse direito. Lia uma pequena antologia de literatura fantástica. Cinco contos sobre casas mal-assombradas. E me encontrava bem no meio 15 de um conto [...] quando o avião aterrissou. Resisti o quanto pude, fui a última a levantar, mas não houve jeito, tive que fechar o livro e deixar a personagem trancada num quarto enquanto o terrível fantasma esmurrava a porta. Era uma viagem de trabalho, a minha. Tinha 20 compromisso. Mas atravessei o saguão do aeroporto ainda com aquela angústia gerada pelo conto, olhei o relógio, fiz o cálculo e vi que sim, era possível. Então sentei em uma das tantas poltronas, e bastou-me abrir o livro onde o tinha deixado para, em meio à gente toda 25 que ia e vinha, em meio ao burburinho e aos chamados do alto-falante, voltar ao escuro silêncio do quarto assombrado, em que atrás da porta um fantasma esmurrava e esmurrava. Quando acabei a leitura e emergi outra vez no 30 aeroporto, estava duplamente feliz. Feliz por ter acabado a história, por ruminar essa sensação de coisa feita que a leitura nos dá — não de coisa feita por outro e meramente partilhada, mas realizada, como se nós mesmos tivéssemos desenhado de um só traço um ovo 35 ou um círculo. E feliz porque confirmava que, apesar do olhar profissional crítico, analítico, quase frio com que hoje em dia me aproximo de um texto, apesar de ter marcado aquele conto com várias observações técnicas, eu conservava intacto o verdadeiro prazer da leitura.
COLASANTI, Marina. Fragatas para terras distantes. (com adaptações)
Na frase "...vi que sim, era possível." (L. 22), a autora viu que era possível:
a)
ler todo o conto antes de descer do avião. |
b)
concluir a leitura do conto sem atrasar seu compromissso de trabalho. |
c)
achar um lugar tranquilo no saguão do aeroporto. |
d)
cancelar ou adiar seu compromisso de trabalho. |
e)
dominar sua ansiedade e concluir mais tarde a leitura do conto. |
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