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Comentários / IBGE - Recenseador - CESGRANRIO - 2010 - Prova Objetiva


Banhos de Mar

         Meu pai acreditava que todos os anos se devia
         fazer uma cura de banhos de mar. E nunca fui tão feliz
         quanto naquelas temporadas de banhos em Olinda,
         Recife.
5       Meu pai também acreditava que o banho de mar
         salutar era o tomado antes de o sol nascer. Como ex-
         plicar o que eu sentia de presente inaudito em sair de
         casa de madrugada e pegar o bonde vazio que nos
         levaria para Olinda ainda na escuridão?
10     De noite eu ia dormir, mas o coração se mantinha
         acordado, em expectativa. E de puro alvoroço, eu acor-
         dava às quatro e pouco da madrugada e despertava o
         resto da família. Vestíamos depressa e saíamos em
         jejum. Porque meu pai acreditava que assim devia ser:
15     em jejum.
         Saíamos por uma rua toda escura, recebendo a
         brisa da pré-madrugada. E esperávamos o bonde. Até
         que lá de longe ouvíamos o seu barulho se aproxi-
         mando. Eu me sentava bem na ponta do banco: e minha
20     felicidade começava. Atravessar a cidade escura
         me dava algo que jamais tive de novo. No bonde mes-
         mo o tempo começava a clarear e uma luz trêmula de
         sol escondido nos banhava e banhava o mundo.
         Eu olhava tudo: as poucas pessoas na rua, a pas-
25     pelo campo com os bichos-de-pé: "Olhe um
         sagem porco de verdade!" gritei uma vez, e a frase de des-
         lumbramento ficou sendo uma das brincadeiras de
         minha família, que de vez em quando me dizia rindo:
         "Olhe um porco de verdade."
30     Passávamos por cavalos belos que esperavam
         de pé pelo amanhecer.
         Eu não sei da infância alheia. Mas essa viagem
         diária me tornava uma criança completa de alegria. E
         me serviu como promessa de felicidade para o futuro.
35     Minha capacidade de ser feliz se revelava. Eu me agar-
         rava, dentro de uma infância muito infeliz, a essa ilha
         encantada que era a viagem diária.
         No bonde mesmo começava a amanhecer. Meu
         coração batia forte ao nos aproximarmos de Olinda.
40     Finalmente saltávamos e íamos andando para as cabinas
         pisando em terreno já de areia misturada com
         plantas. Mudávamos de roupa nas cabinas. E nunca
         um corpo desabrochou como o meu quando eu saía
         da cabina e sabia o que me esperava.
45     O mar de Olinda era muito perigoso. Davam-se
         alguns passos em um fundo raso e de repente caía-se
         num fundo de dois metros, calculo.
         O cheiro do mar me invadia e me embriagava. As
         algas boiavam. Oh, bem sei que não estou transmitin-
50     do o que significavam como vida pura esses banhos
         em jejum, com o sol se levantando pálido ainda no
         horizonte. Bem sei que estou tão emocionada que não
         consigo escrever. O mar de Olinda era muito iodado e
         salgado. E eu fazia o que no futuro sempre iria fazer:
55     com as mãos em concha, eu as mergulhava nas águas,
         e trazia um pouco do mar até minha boca: eu bebia
         diariamente o mar, de tal modo queria me unir a ele.
         Não demorávamos muito. O sol já se levantara
         todo, e meu pai tinha que trabalhar cedo. Mudávamos
60     de roupa, e a roupa ficava impregnada de sal. Meus
         cabelos salgados me colavam na cabeça.

LISPECTOR, Clarice. Aprendendo a Viver. Rocco, 2004.

Questão:

O pronome destacado NÃO indica posse na seguinte frase:

Resposta errada
a)

A brisa da madrugada tocava-lhe o corpo.

Resposta errada
b)

A expectativa mantinha-lhe o coração acordado.

Resposta correta
c)

Faltava-lhe vontade de voltar para casa.

Resposta errada
d)

O sal impregnava-lhe as roupas.

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