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Comentários / PRODAM - Amazonas - Analista de Tecnologia da Informação - Banco de Dados - FUNCAB - 2010 - Prova Objetiva


Rapadura

 Outro dia foi presa uma senhora porque numa banca

de mercado, em pleno sábado de feira, agrediu a rival com

uma rapadura, dando-lhe uma tijolada que exigiu doze pontos

no couro cabeludo. Rapadura é arma perigosa, um

paralelepípedo de doce bruto, pesado e com arestas.

Batendo de quina pode até matar.

 A banca de rapadura era o local de comércio do

próprio marido da agressora. Vinha ela descuidosa, passando

ali por acaso, e de repente depara com o quadro ofensivo: o

marido em idílio público com a dalila, a messalina, a loba do

seu lar! ela debruçada ao balcão e ele, de dentro, segurava o

queixo da sereia e lhe cochichava no ouvido. O monte de

rapaduras estava ao lado. Foi só passar a mão na rapadura de

cima e virá-la de quina, para castigar mesmo, no pé do ouvido

da outra. A agredida se pôs a gritar, com a cara coberta de

sangue, e o infiel asperamente ralhou: “Cala a boca, mulher,

senão aparece a polícia”.

 Mas avisou tarde, porque a polícia já vinha, na

pessoa de um cabo a quem o idílio adúltero também

repugnara, pois de há muito que ele, cabo, suspirava pelos

favores da destruidora de lares. Debalde lhe fizera serenatas,

com uma radiola cheia de discos de Roberto Carlos; e ela até

lhe atirara um sapato pela janela, certa vez em que ele

encostara a máquina cantante à rótula, tocando aquela

música em que RC declara à amada: “Você vai aprender a ser

gente!”

 – Quem vai aprender é a mãe, gritara a julieta,

ofendida.

Mas o cabo apanhou o pé de sapato como se fosse o

chapim da Borralheira, foi na loja do Geraldo e escolheu a

sandalinha mais mimosa que tinha lá, com tiras prateadas e

flor de contas no peito do pé. Entregou-a com um bilhete:

“Recebi a medida e lhe mando a encomenda”.

 A bela pagou com um sorriso. Mas continuou com o

homem das rapaduras, que tinha o que gastar com ela. Cabo

arranchado, mal ganha para o cigarro.

 Agora porém tinha o cabo a sua oportunidade.

Mandou a amada para o Samdu, num jipe, e bradou esteje

preso para os mais.

 Na delegacia a agressora já vinha muito unida ao

marido (que a tratava até de meu bem) e declarou à

autoridade que de nada se lembrava. Só sabia que vinha fazer

umas compras, e passando pela banca de rapadura, viu

aquela piranha com os dentes na cara do marido – marido de

padre e juiz! Sentira um escurecimento de vista – e aí não

sabia mais de nada.

 O delegado, naturalmente, punia pelos direitos de

família legítima; e ia passando ao marido, para encerrar

perfunctoriamente o caso, quando de súbito aparece a sogra,

avisada às pressas. Da rua, a velha vinha gritando. Já sabia

que aquilo ia acabar mal, minha filha está farta de sofrer, o

sem vergonha do marido não tem rapariga na rua do Baturité

que ele não gaste com ela, minha filha devia mesmo era ter

lascado a cabeça da vagabunda. E ele ainda bate na

pobrezinha, bate de correia, a vizinhança toda sabe!

 Aí a mulher do marido interrompeu agastada: “Minha

mãe cale sua boca que o caso é outro. Ninguém está

querendo saber se ele me bate. E se bate, bate no que é dele”.

 A sogra engasgou- se com a ingr atidão.

Desengasgando, ia gritando “mal agradecida!” mas nesse

ínterim o delegado se levantara e pedira silêncio. E explicou

que o adultério é a peçonha dos lares; embora fosse errado

apelar para a violência compreendia-se que a senhora no

desvario da privação de sentidos e inteligência, agredisse a

rival. Mas afinal não houvera morte, nem queixa registrada, o

sangue era pouco, cada um fosse para casa e não pecasse

mais. Falou, estava falado.

 O cabo correu ao Samdu, onde lhe foi fácil fazer

entender à pecadora que não há como a proteção das armas

para uma frágil dama delicada.

 O marido infiel levou a mulher para casa – conta a

vizinhança que lhe deu uma surra para ela deixar de ser

valente. E depois foram muito felizes.

(QUEIROZ, Rachel de. In Elenco de cronistas modernos. 6 ed. Rio de Janeiro:

José Olympio, 1978, p. 97-99.)

Questão:

Dos trechos transcritos do texto, aquele em que em meio à narração está inserida uma afirmação própria de um texto dissertativo é:

Resposta correta
a)

"Rapadura é arma perigosa, um paralelepípedo de doce bruto, pesado e com arestas. Batendo de quina pode até matar." (1º parágrafo)

Resposta errada
b)

"A banca de rapadura era o local de comércio do próprio marido da agressora." (2º parágrafo)

Resposta errada
c)

"Debalde lhe fizera serenatas, com uma radiola cheia de discos de Roberto Carlos;" (3º parágrafo)

Resposta errada
d)

"Mandou a amada para o Samdu, num jipe, e bradou esteje preso para os mais." (7º parágrafo)

Resposta errada
e)

"E ele ainda bate na pobrezinha, bate de correia, a vizinhança toda sabe!" (9º parágrafo)

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