HOUVE UMA VEZ DOIS VERÕES
Jorge Furtado
Não conheço filme sem título, uma prática comum nas artes plásticas. Eu mesmo escolhi os títulos dos meus filmes. Meu primeiro filme de longa metragem se chama Houve uma vez dois verões. A tradução literal para o inglês seria: Once Upon a Time Two Summers, mas os distribuidores sabiamente optaram pela versão mais curta, Two Summers.
Em português, “houve uma vez” é uma abertura clássica de narrativas, uma forma um pouco mais arcaica que o “era uma vez...” . Googlei “era uma vez” (dia 10 de janeiro de 2008) e encontrei 622 mil entradas, de todo tipo: nomes de sites, coleções de livros infantis etc. As 10 primeiras entradas eram de 10 sites diferentes.
Googlei “houve uma vez” e apareceram 230 mil entradas. As primeiras 51 entradas eram referência ao meu filme. A entrada 52 era sobre a expressão “houve uma vez um verão”, um convite para uma festa. “Houve uma vez dois verões”, na verdade, é um trocadilho sobre o título brasileiro de um grande sucesso do cinema, Summer of 42, filme de 1971 dirigido por Robert Mulligan, que no Brasil se chamou “Houve uma vez um verão”.
Acontece que, em português, este “um” antes da palavra “verão” pode ser numeral ou artigo indefinido, pode ser “a summer” ou “one summer”. Já a palavra “dois” só pode ser numeral. O eco distorcido do título do filme de Mulligan (também uma história de iniciação sexual, também com dois amigos numa temporada de verão numa praia quase deserta, também seduzidos por uma mulher mais velha) sugere claramente que aqui se trata de uma comédia.
E mais: é um erro muito frequente, em português, conjugar o verbo “haver” no plural, “houveram dois verões”, quando o certo é “houve dois verões”. Ou seja: o título em português tem também uma função didática, na medida em que, como costumam fazer os títulos, cristaliza uma expressão, informação ou grafia em formato rememorável.
Estes são apenas alguns dos problemas em traduzir para o inglês o título do filme. Certamente há problemas que eu desconheço por não dominar o inglês. Talvez a expressão “two summers” tenha conotações que eu ignore, talvez seja o nome de uma conhecida casa noturna de Cambridge ou talvez a marca de um bronzeador.
Adaptado de texto postado em 21 de março de 2009 no blog pessoal do cineasta (http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/). Acesso: 10/12/09.
Com relação ao texto, assinale a alternativa CORRETA:
a)
Pode-se dizer que o texto trata, basicamente, de alguns desafios que surgiram quando da tradução para a língua inglesa de um título em português (Houve uma vez dois verões). |
b)
Segundo o autor, não se pode afirmar que o exercício de tradução demanda conhecimento de mundo e experiência linguística. |
c)
De acordo com Jorge Furtado, a tradução para o inglês é um trabalho que altera negativamente as construções em língua portuguesa. |
d)
Está implícita no texto a idéia de que a tradução é um trabalho mecânico (que não demanda reflexão). Esse trabalho apenas dificulta o entendimento da obra original, pois a maioria das expressões de uma língua são traduzidas de forma deliberadamente errada. |
e)
O título Houve uma vez dois verões foi traduzido incorretamente para o inglês (Two Summers), o que despertou a fúria do cineasta, que manifesta o seu descontentamento no texto em questão. |
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