Apesar das conquistas, o país enfrenta obstáculos na infraestrutura, na educação e no papel do Estado.
Paulo Moreira Leite
Para uma nação que, desde 1500, é descrita como aquela “onde se plantando tudo dá”, nas palavras do escrivão Pero Vaz de Caminha, a visão de país do futuro já é motivo de desconfiança, ironia e até irritação. A verdade é que, entre observadores de prestígio e analistas conceituados, cresce a convicção de que o Brasil é um país que pode sair bem da crise atual do capitalismo – e chegar mais à frente numa condição melhor do que exibia no início, num processo semelhante ao que viveu nos anos 30, após o colapso da Bolsa de 1929.
Arquiteto e engenheiro da prosperidade do “milagre econômico”, o ex-ministro Antonio Delfim Netto está convencido de que “o Brasil tem pela frente uma possibilidade de crescimento seguro, sem risco, por pelo menos uma geração”. Para o empresário e economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações no governo de Fernando Henrique Cardoso, insuspeito de simpatias pelo governo Lula, “não há dúvida de que o mundo vai oferecer muitas oportunidades estratégicas ao Brasil, nos próximos anos. A única dúvida é saber se saberemos aproveitá-las”.
Hoje, apenas 7,6% da humanidade pode ser enquadrada numa categoria social vagamente definida como “classe média”. Para as próximas décadas, essa condição pode atingir 16% da população mundial, ou 1,2 bilhão de pessoas. No século XVIII, quando a Europa aquecia os fornos a carvão da Revolução Industrial, que moldaria a civilização mundial de hoje, a China produzia perto de 30% da riqueza do planeta, e a Índia 15%. Após dois séculos de declínio, esses povos retomam seu lugar – e é esse processo em curso, nos próximos anos, que definirá oportunidades e necessidades de todo o planeta, inclusive no Brasil.
“O Brasil tem tudo para ser protagonista do século XXI”, diz Delfim Netto, numa frase que tem lá seu parentesco com o otimismo do escrivão Caminha. Mas há algum sentido. A urbanização acelerada do planeta elevará em até 50% a demanda por alimentos importados – num mercado garantido para o crescimento das exportações brasileiras. No terreno da energia, os laboratórios de todo o mundo buscam uma alternativa ao petróleo e aos demais combustíveis fósseis. Até agora, nenhuma opção deixou a fase do experimentalismo e não se sabe quando isso vai ocorrer. Mesmo o etanol, que funciona tão bem no Brasil, não é uma saída definitiva no plano mundial, pois exigiria canaviais para mover indústrias, armamentos, computadores, foguetes, navios – além de carros de passeio.
Como ninguém deixará de acender a luz nem de andar de automóvel até que se chegue a uma nova matriz energética, por várias décadas a humanidade seguirá movendo-se a petróleo – abundante nas costas brasileiras do pré-sal, a ponto de já colocar o país na condição de exportador mundial.
Para realizar o futuro prometido, o Brasil terá de reformar o Estado. “Vamos ter de modernizar o governo”, diz Delfim Netto. Esse trabalho inclui rever as diferenças de renda, segurança e estabilidade entre funcionários públicos e privados, além de uma reforma na Previdência. Hoje, por causa de distorções como essas, o Estado brasileiro custa caro, funciona mal e trabalha na direção errada. Sem uma intervenção rápida e decisiva por parte dos governantes, o país do futuro talvez demore outros 509 anos a chegar.
Adaptado da revista Época, n.° 575.
Leia o texto a seguir, para responder à(s) questão(ões)
Com relação ao conteúdo do texto, assinale a alternativa CORRETA:
a)
Pode-se afirmar que as opiniões do autor são muito parecidas com as de Antonio Delfim Netto, pois ambos veem como certo o sucesso do Brasil enquanto "país do futuro". |
b)
O trecho "no terreno da energia, os laboratórios de todo o mundo buscam uma alternativa ao petróleo e aos demais combustíveis fósseis" apresenta um típico problema de incoerência interna. |
c)
É possível dizer que o autor vê o futuro do Brasil com um olhar bastante temeroso, pois entende que muito precisa ser feito para que o país "decole". Por outro lado, é errado dizer que Paulo Moreira Leite critica o Brasil atual. |
d)
O tom de desconfiança presente na abertura do texto (que utiliza a carta de Caminha como argumento histórico) é retomado no último parágrafo, quando o autor afirma, de modo enfático, que "sem uma intervenção rápida e decisiva por parte dos governantes, o país do futuro talvez demore outros 509 anos a chegar". |
e)
Ao afirmar que "por várias décadas a humanidade seguirá movendo-se a petróleo", o autor deixa implícito que são inúteis as pesquisas que envolvem biocombustíveis. |
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