Na formação histórica dos Estados Unidos, houve desde cedo uma presença constritora da lei, religiosa e civil, que plasmou os grupos e os indivíduos, delimitando os comportamentos graças à força punitiva do castigo exterior e do sentimento interior do pecado.
Esse endurecimento do grupo e do indivíduo confere a ambos grande força de identidade e resistência, mas desumaniza as relações com os outros, sobretudo os indivíduos de outros grupos, que não pertençam à mesma lei e, portanto, podem ser manipulados ao bel-prazer. A alienação torna-se ao mesmo tempo marca de reprovação e castigo do réprobo; o duro modelo bíblico do povo eleito, justificando a sua brutalidade com os não eleitos, os outros, reaparece nessas comunidades de leitores cotidianos da Bíblia. Ordem e liberdade – isto é, policiamentos internos e externos, direito de arbítrio e de ação violenta sobre o estranho – são formulações desse estado de coisas.
No Brasil, nunca os grupos ou os indivíduos encontraram efetivamente tais formas; nunca tiveram a obsessão da ordem senão como princípio abstrato, nem da liberdade senão como capricho. As formas espontâneas de sociabilidade atuaram com maior desafogo e por isso abrandaram os choques entre a norma e a conduta, tornando menos dramáticos os conflitos de consciência.
As duas situações diversas se ligam ao mecanismo das respectivas sociedades: uma que, sob alegação de enganadora fraternidade, visava a criar e manter um grupo idealmente monorracial e monorreligioso; outra que incorpora de fato o pluralismo étnico e depois religioso à sua natureza mais íntima. Não querendo constituir um grupo homogêneo e, em consequência, não precisando defendê-lo asperamente, a sociedade brasileira se abriu com maior largueza à penetração de grupos dominados ou estranhos. E ganhou em flexibilidade o que perdeu em inteireza e coerência.
(Adaptado de Antonio Candido, Dialética da malandragem)
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:
a)
Não há dúvida de que, a despeito de nossas mazelas sociais, a sociedade brasileira se apresenta mais pluralista que a dos Estados Unidos. |
b)
Implacável, a lei religiosa e a lei civil exercem, simultaneamente, um imponderável poder de arbítrio junto aos não eleitos americanos. |
c)
O fato de as duas sociedades serem tão diferentes não implica de que sejam mais ou menos justas entre si. |
d)
Sugere-se no texto que a adoção do povo eleito, segundo a Bíblia, faz com que a sociedade dos EUA distile certa má vontade contra outros povos. |
e)
Por ter sido plasmado em meio ao castigo exterior e à punição íntima do pecado, os Estados Unidos adquiriram muito pouca elasticidade social. |
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