As lavadeiras de Moçoró, cada uma tem sua pedra no rio; cada pedra é herança de família, passando de mãe a filha, de filha a neta, como vão passando as águas no tempo. As pedras têm um polimento que revela a ação de muitos dias e muitas lavadeiras. Servem de espelho a suas donas. E suas formas diferentes também correspondem de certo modo à figura física de quem as usa. Umas são arredondadas e cheias, aquelas magras e angulosas, e todas têm ar próprio, que não se presta a confusão.
na pobA lavadeira e a pedra formam um ente especial, que se divide e se unifica ao sabor do trabalho. Se a mulher entoa uma canção, percebe-se que a pedra a acompanha em surdina. Outras vezes, parece que o canto murmurante vem da pedra, e a lavadeira lhe dá volume e desenvolvimento.
Na pobreza natural das lavadeiras, as pedras são uma fortuna, jóias que elas não precisam levar para casa. Ninguém as rouba, nem elas, de tão fiéis, se deixariam seduzir por estranhos.
Obs.: manteve-se a grafia original, constante da obra citada.
(Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis, in Prosa Seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p.128)
Evidencia-se no texto:
a)
a presença da pedra como símbolo da rotina pesada de uma vida sem perspectivas de melhora da maioria das mulheres brasileiras. |
b)
o primitivismo das condições de trabalho em alguns lugares, que impede a necessária alteração dos costumes familiares. |
c)
a extrema pobreza em que vivem muitas famílias brasileiras, sem qualquer condição de sobrevivência mais digna. |
d)
a associação íntima e até mesmo afetiva entre ser humano e elemento da natureza, identificados por um tipo de trabalho diário. |
e)
a identificação entre o rio e a pedra, prefigurando os obstáculos sociais que impedem a ascensão econômica de muitos brasileiros. |
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