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Comentários / Tribunal de Contas do Município - TCM - Ceará - Analista de Controle Externo - FCC - Fundação Carlos Chagas - 2010 - Conhecimentos Básicos - 2 (Genérica)


A Rotina e a Quimera (excerto)

Sempre se falou mal de funcionários, inclusive dos que passam a hora do expediente escrevinhando literatura. Não sei se esse tipo de burocrata-escritor ainda existe. A racionalização do serviço público, ou o esforço para essa racionalização, trouxe modificações sensíveis ao ambiente de nossas repartições, e é de crer que as vocações literárias manifestadas à sombra de processos se hajam ressentido desses novos métodos de trabalho.

E por que se maldizia tanto o literato-funcionário? Porque desperdiçava os minutos de seu dia, reservados aos interesses da Nação, no trato de quimeras pessoais. A Nação pagava-lhe para estudar papéis obscuros e emaranhados, ordenar casos difíceis, promover medidas úteis, ouvir com benignidade as “partes”. Em vez disso, nosso poeta afinava a lira, nosso romancista convocava suas personagens, e toca a povoar o papel da repartição com palavras. Figuras e abstrações que em nada adiantam à sorte do público. É bem verdade que esse público, logo em seguida, ia consolar-se de suas penas na trova do poeta ou no mundo imaginado pelo ficcionista.

O certo é que um e outro são inseparáveis, ou antes, o funcionário determina o escritor. O emprego do Estado concede com que viver, de ordinário sem folga, e essa é condição ideal para bom número de espíritos: certa mediania que elimina os cuidados imediatos, porém não abre perspectiva de ócio absoluto. O indivíduo tem apenas a calma necessária para refletir na mediocridade de uma vida que não conhece a fome nem o fausto; sente o peso dos regulamentos, que lhe compete observar ou fazer observar; o papel barra-lhe a vista dos objetos naturais, como uma cortina parda. É então que intervém a imaginação criadora, para fazer desse papel precisamente o veículo de fuga, sorte de tapete mágico, em que o funcionário embarca, arrebatando consigo a doce ou amarga invenção, que irá maravilhar outros indivíduos, igualmente prisioneiros de outras rotinas, por este vasto mundo de obrigações não escolhidas.

(Carlos Drummond de Andrade, Passeios na ilha)

Questão:

Carlos Drummond de Andrade, nessa crônica, não deixa de argumentar em favor da seguinte convicção:

Resposta errada
a)

Caso um funcionário público fosse liberado de sua rotina, seus projetos literários ganhariam corpo e qualidade.

Resposta errada
b)

A condição da mediania, que um funcionário encarna de modo exemplar, leva-o a escrever para registrar sua rotina.

Resposta errada
c)

O público leitor apenas se identifica com um escritor quando este imerge na rotina para valorizá-la enquanto tal.

Resposta errada
d)

Por não conhecer a fome nem o fausto, o escritor- funcionário independe da imaginação para produzir literatura.

Resposta correta
e)

As condições rotineiras de uma repartição pública são propícias para uma criação literária de interesse geral.

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