(fragmento)
1 Quando ceguei ao edifício, tomei o elevador que serve do primeiro ao décimo quarto andar. Era pelo menos o que dizia a tabuleta no alto da porta. — Sétimo — pedi. 4 A porta se fechou e começamos a subir. Minha atenção se fixou num aviso que dizia: É expressamente proibido os funcionários, no ato da subida, utilizarem os elevadores para descerem. 7 Desde o meu tempo de ginásio sei que se trata de problema complicado, este do infinito pessoal. Prevaleciam então duas regras mestras que deveriam ser rigorosamente obedecidas. Uma afirmava que o sujeito, sendo o mesmo, impedia que o verbo se flexionasse. Da outra infelizmente já 10 não me lembrava. Mas não foi o emprego pouco castiço do infinito pessoal que me intrigou no tal aviso: foi estar ele concebido de maneira chocante aos delicados ouvidos de um escritor que se preza. 13 Qualquer um, não sendo irremediavelmente burro, entenderia o que se pretende dizer neste aviso. Pois um tijolo de burrice me baixou na compreensão, fazendo com que eu ficasse revirando a frase na cabeça: descerem, no ato da subida? Que quer dizer isto? E buscava uma forma simples e 16 correta de formular a proibição: É proibido subir para depois descer. É proibido subir no elevador com intenção de descer. 19 É proibido ficar no elevador com intenção de descer, quando ele estiver subindo. Se quiser descer, não tome o elevador que esteja subindo. Mais simples ainda: 22 Se quiser descer, só tome o elevador que estiver descendo. De tanta simplicidade, atingi a síntese perfeita do que Nelson Rodrigues chamava de óbvio ululante, ou seja, a enunciação de algo que não quer dizer absolutamente nada: 25 Se quiser descer, não suba.
Fernando Sabino. A volta por cima. Rio de Janeiro: Record, 1995, p. 137-140 (com adaptações).
Acerca do gênero textual e das estruturas linguísticas do texto acima, julgue o(s) item(ns) a seguir.
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