Li que em Nova York estão usando “dez de setembro” como adjetivo, significando antigo, ultrapassado. Como em: “Que penteado mais dez de setembro!”. O 11/9 teria mudado o mundo tão radicalmente que tudo o que veio antes – culminando com o day before [dia anterior], o último dia das torres em pé, a última segunda-feira normal e a véspera mais véspera da História – virou preâmbulo. Obviamente, nenhuma normalidade foi tão afetada quanto o cotidiano de Nova York, que vive a psicose do que ainda pode acontecer. Os Estados Unidos descobriram um sentimento inédito de vulnerabilidade e reorganizam suas prioridades para acomodá-las, inclusive sacrificando alguns direitos de seus cidadãos, sem falar no direito de cidadãos estrangeiros não serem bombardeados por eles. Protestos contra a radicalíssima reação americana são vistos como irrealistas e anacrônicos, decididamente “dez de setembro”.
Mas fatos inaugurais como o 11/9 também permitem às nações se repensarem no bom sentido, não como submissão à chantagem terrorista, mas para não perder a oportunidade do novo começo, um pouco como Deus – o primeiro autocrítico – fez depois do Dilúvio. Sinais de revisão da política dos Estados Unidos com relação a Israel e os palestinos são exemplos disto. E é certo que nenhuma reunião dos países ricos será como era até 10/9, pelo menos por algum tempo. No caso dos donos do mundo, não se devem esperar exames de consciência mais profundos ou atos de contrição mais espetaculares, mas o instinto de sobrevivência também é um caminho para a virtude. O horror de 11/9 teve o efeito paradoxalmente contrário de me fazer acreditar mais na humanidade.
A questão é: o que acabou em 11/9 foi prólogo, exatamente, de quê? Seja o que for, será diferente. Inclusive por uma questão de moda, já que ninguém vai querer ser chamado de “dez de setembro” na rua.
(Luis Fernando Verissimo, O mundo é bárbaro)
Estão plenamente observadas as normas de concordância verbal na frase:
a)
Sobrevieram à tragédia de 11/9 consequências profundas, como a psicose coletiva a que se renderam muitos cidadãos novaiorquinos. |
b)
Agregou-se ao cotidiano de Nova York, a despeito das medidas de segurança, sentimentos de medo e desconfiança generalizados. |
c)
Uma certa soberba, característica dos americanos, mesmo depois do atentado de 11/9 não se aplacaram. |
d)
Muitas vezes decorre de uma grande tragédia coletiva, como a de 11/9, sentimentos confusos, como os da humilhação, da revolta e da impotência. |
e)
Sobrevivem até mesmo depois de grandes tragédias a tendência dos homens ao prosaísmo e ao mau gosto, como no uso da expressão dez de setembro. |
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