1 Houve um tempo em que a minha janela se abria para 2 um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de 3 louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. 4 Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor 5 do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era 6 criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me 7 completamente feliz. 8 Houve um tempo em que a minha janela se abria 9 sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela 10 havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de 11 estiagem, de terra esfarelada e o jardim parecia morto. Mas 12 todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, 13 em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água 14 sobre as plantas. Não era uma rega; era uma espécie de 15 aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava 16 para as plantas, para o homem, para as gotas d'água que 17 caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava 18 completamente feliz. 19 Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em 20 flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças 21 que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos 22 que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais. 23 Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho 24 do ar. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. 25 Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu 26 me sinto completamente feliz. 27 Mas, quando falo dessas pequenas felicidades que 28 estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não 29 existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e 30 outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para 31 poder vê-las assim.
Cecília Meireles. A arte de ser feliz. In: Quadrante I. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1968, p. 10 (com adaptações).
Assinale a alternativa que não se aplica ao texto III.
a)
O texto é uma crônica poética, com apresentação de uma visão de mundo particular e exploração das emoções do eu lírico. |
b)
O texto é inspirado em acontecimentos diários, com um toque literário próprio do eu lírico. |
c)
O texto é uma narrativa que mistura realidade e fantasia, razão por que parece inverossímil. |
d)
A linguagem do texto é simples e contribui para reforçar a ideia veiculada de que a felicidade está nas coisas simples e banais do cotidiano. |
e)
A forma como é abordado o tema, com leveza e simplicidade, busca levar o leitor a, com agrado, identificar-se com aquilo que é tratado. |
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