Leia o texto abaixo para responder as questões 7 e 8:
Cadê os plural?
É só impressão minha, ou está cada vez mais difícil ouvir plurais ortodoxos? Aqueles de antigamente, arrematados
com um ''s'' - plurais tradicionais, quatrocentões? Os plurais agora estão cada vez mais enrustidos, dissimulados,
problemáticos. Cada vez menos plurais são assumidos. Os plurais agora precisam ser subentendidos.
Verdade seja dita: não somos os únicos no mundo a ter problemas com a maldita letra ''s'' no final das palavras.
Os franceses, debaixo de toda aquela empáfia, há séculos desistiram de pronunciar o ''s'' dos plurais. No francês
oral, o plural é indicado pelo artigo, e pronto. Ou seja: eles falam ''as mina'' e ''os mano'' desde que foram
promovidos de gauleses a guardiães da cultura e da civilização.
Os italianos também não podem com a letra ''s'' no fim das palavras. Fazem seus plurais em ''i'' e em ''e'',
dependendo do sexo, ops, do gênero das palavras. Quando a palavra é estrangeira, entretanto, eles simplesmente
desistem de falar no plural: decretaram que termos forasteiros são invariáveis, e tudo bem. Una foto, due foto; una
caipirinha, quattro caipirinha. Quattro caipirinha? Hic! Zuzo bem!
Os alemães, metódicos que só, reservam o ''s'' justamente a esses vocábulos estrangeiros que os italianos
permitem que andem por aí sem plural. Com as palavras do seu próprio idioma, no entanto, os alemães são
implacáveis. As palavras mais sortudas ganham apenas um ''e'' no final, mas as outras são flexionadas com
requintes de tortura - com ''n'' (!) ou com ''r'' (!!), às vezes em conjunto com um trema (!!!) numa vogal da penúltima
sílaba (!!!!), só para infernizar a vida dos alunos do Instituto Goethe ao redor do planeta.
Práticos são os indonésios, que formam o plural simplesmente duplicando o singular: gado-gado, padang-padang,
ylang-ylang. Pelo menos foi isso que eu li uma vez. (Claro que não chequei a informação. Eu detestaria descobrir
que isso não é verdade.) Já pensou se a moda pega aqui, feito aquele pavoroso cigarro de cravo? Os manomano.
As mina-mina. Um chopps e dois pastel-pastel.
Nem mesmo nossos primos de fala espanhola escapam da síndrome dos comedores de plural. Os andaluzes e
praticamente todos os latino-americanos também não são muito chegados a um ''s'' final. Em vez do ''s'' ríspido e
perigosamente carregado de saliva dos madrilenhos (que chiam quase tanto quanto os portugueses), eles
transformaram o plural num acontecimento sutil, perceptível apenas por ouvidos treinados. Em Sevilha, Buenos
Aires ou em Santo Domingo, o ''s'' vira um ''h'' aspirado - lah cosah, lah personah, loh pluraleh.
Entre nós, contudo, a mutilação do plural não tem nada a ver com sotaques ou incapacidade de pronunciar
fonemas. Aqui em São Paulo, a falta de ''s'' é um fenômeno sociocultural. Os pobres não falam no plural por falta
de cultura. Da classe média para cima, deixamos o plural de lado quando há excesso de intimidade. É como se o
plural fosse algo opcional, como escolher entre ''você'' e ''o senhor''. Se a situação exige, você vai lá e aperta a
tecla PLURAL. Se a conversa for entre amigos, basta desligar, e os esses desaparecem em algum ponto entre o
cérebro e a boca.
Na minha terra, não. Imagina. Lá não se permite isso. No Rio Grande NINGUÉM fala os plurais. NUNCA.
Considera-se PEDANTE quem fala plural. Trata-se de um dos pontos mais importantes do nosso dialeto. Assim
como no francês oral, no gauchês oral o plural é indicado pelo artigo: os guri, as guria. Mas isso só vale no
gauchês falado. Você jamais verá escritas em Porto Alegre essas coisas que se leem em placas e faixas de São
Paulo, tipo COMIDAS TÍPICA ou 12 PRATOS QUENTE.
Escrito, não. Para nós, a falta de plural escrito dói nos... ouvidos. [...]
O avanço da despluralização, no entanto, ameaça transformar São Paulo numa nova Porto Alegre, onde
concordar substantivo com artigo é coisa de maricas.
O que se deve fazer? Uma grande campanha educativa, com celebridades declarando que é chique falar os
plurais? Lançar pagodes e canções sertanejas falando da dor-de-cotovelo causada por não usar ''s'' no final das
palavras? Ou contratar um grupo de artistas alternativos para sair pichando nos muros por aí uma mensagem
subversiva? Tipo assim: OS MANOS E AS MINAS.
FREIRE, Ricardo. Variedades. Jornal da Tarde, 5 de fevereiro 2001, p. 8c.
O autor Ricardo freire afirma que o processo de “despluralização” não ocorre apenas na nossa língua e apresenta, de forma irônica, duas explicações para esse fenômeno linguístico em português. Quais são elas?
a) Para o autor a explicação “é lançar pagodes e canções sertanejas falando da dor-de-cotovelo causada por não usar ''s'' no final das palavras? Ou contratar um grupo de artistas alternativos para sair pichando nos muros por aí uma mensagem subversiva?”.
|
b) O autor afirma que “os pobres” não fazem a concordância em número por falta de cultura e que, entre as classes sociais de maior poder aquisitivo, a despluralização ocorreria em contextos informais de comunicação, quando há excessos de intimidade entre os interlocutores.”.
|
c) Segundo o autor “os andaluzes e praticamente todos os latino-americanos também não são muito chegados a um ''s'' final. Em vez do ''s'' ríspido e perigosamente carregado de saliva dos madrilenhos (que chiam quase tanto quanto os portugueses), eles transformaram o plural num acontecimento sutil, perceptível apenas por ouvidos treinados.”
|
d) Para Ricardo Freire “os franceses, debaixo de toda aquela empáfia, há séculos desistiram de pronunciar o ''s'' dos plurais. No francês oral, o plural é indicado pelo artigo, e pronto. Ou seja: eles falam ''as mina'' e ''os mano'' desde que foram promovidos de gauleses a guardiães da cultura e da civilização.”.
|
e) Ricardo Freire aponta como explicação “que as palavras mais sortudas ganham apenas um ''e'' no final, mas as outras são flexionadas com requintes de tortura - com ''n'' (!) ou com ''r'' (!!), às vezes em conjunto com um trema (!!!) numa vogal da penúltima sílaba (!!!!), só para infernizar a vida dos alunos do Instituto Goethe ao redor do planeta.”.
|
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.