1. As discussões sobre a liberdade assentam necessariamente
e em princípio na negação de suas próprias
bases possibilitadoras. Quero dizer que o único
pressuposto histórico viável para que se possa instaurar a
5. inteireza do entendimento da questão está na ausência de
liberdade. Mas isso não no sentido preconizado por um
Fichte que, sem estar totalmente desprovido de razão,
jogava com a oposição entre o livre e o não-livre, no
sentido de que a liberdade se faz a partir do elemento não-
10. livre, da presença de um obstáculo sem o qual nem se
poderia conceber o surgimento da liberdade. A tese de
Fichte, entretanto, se move dentro do âmbito de uma teoria
geral do exercício da liberdade, válida para todos os
tempos e todos os lugares, enraizada na existência de um
15. eu puro. Nosso ponto de partida é bem outro; claro que a
educação para a liberdade deve pressupor a freqüentação
de elementos não-livres vistos como o solo em que medra
o desenvolvimento da liberdade. Mas entendemos que a
tese nada tem a ver com um suposto eu puro, pois ela se
20. mostra essencialmente e antes de tudo em seu caráter
histórico: não existe algo como uma liberdade constitutiva
da natureza humana considerada em si mesma. Para nós,
longe disso, a liberdade revela-se histórica de ponta a
ponta, e já no sentido de que o homem em suas origens
25. nada ostenta que poderia insinuar a presença da
liberdade. Um eu puro − mas o que poderia ser isso? Não
existe esse eu à espera de sua eclosão a ser provocada
por coisas que lhe seriam totalmente estranhas,
determinadas por uma exterioridade cega. Portanto, já
30. nesse ponto de partida histórico, parece evidente que as
origens situam-se em três níveis principais: um, de ordem
propriamente biológica, a confundir-se em suas primícias
com os enredos da evolução das espécies; já o segundo
aferra-se aos contextos sociais, e a liberdade passa a ser
35. o objetivo de uma longa e laboriosa conquista. Certamente
cabe asseverar que aquele elemento biológico integra-se a
seu modo nos processos de sociabilização política do
homem. E é por aí que deve surgir também, em terceiro
lugar, a lenta especificação das concordâncias psicológi-
40. cas. Por tais caminhos, nem há liberdade, mas liberdades
que se vão fazendo; não existe a história de uma liberdade
única, e sim a grande diversidade, as histórias das
liberdades, sempre no plural.
Obs.: Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), filósofo alemão.
(Gerd Bornheim, “As medidas da liberdade”, In O avesso da
liberdade. Adauto Novaes (Org.). São Paulo: Companhia
das Letras, 2002. p. 41-42)
O autor do texto, nas primeiras 22 linhas:
a)
cita um Fichte para alertar acerca de certos filósofos que costumam estabelecer jogos de oposições sem consistência lógica, apesar da aparente racionalidade. |
b)
desvaloriza as idéias de Fichte por julgar que os contrastes do seu raciocínio são próprios de um espírito desprovido de razoabilidade, carência que não atribui a esse filósofo. |
c)
nega qualquer concordância com as idéias de Fichte, visto que este filósofo pensa a liberdade na sua relação com os obstáculos que a impedem. |
d)
apresenta a premissa de suas reflexões e alerta para que não seja confundida com idéia de Fichte, cujo discernimento relativiza. |
e)
detalha as idéias de Fichte e, por aproximações, defende a convergência de pressupostos e pontos de vista entre ele e o filósofo, sem negar, entretanto, diferenças de métodos. |
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