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Comentários / Ministério Público da União - Analista MPU - Processual - FCC - Fundação Carlos Chagas - 2007 - Prova Objetiva


O avesso da liberdade.

1. As discussões sobre a liberdade assentam necessariamente
e em princípio na negação de suas próprias
bases possibilitadoras. Quero dizer que o único
pressuposto histórico viável para que se possa instaurar a
5. inteireza do entendimento da questão está na ausência de
liberdade. Mas isso não no sentido preconizado por um
Fichte que, sem estar totalmente desprovido de razão,
jogava com a oposição entre o livre e o não-livre, no
sentido de que a liberdade se faz a partir do elemento não-
10. livre, da presença de um obstáculo sem o qual nem se
poderia conceber o surgimento da liberdade. A tese de
Fichte, entretanto, se move dentro do âmbito de uma teoria
geral do exercício da liberdade, válida para todos os
tempos e todos os lugares, enraizada na existência de um
15. eu puro. Nosso ponto de partida é bem outro; claro que a
educação para a liberdade deve pressupor a freqüentação
de elementos não-livres vistos como o solo em que medra
o desenvolvimento da liberdade. Mas entendemos que a
tese nada tem a ver com um suposto eu puro, pois ela se
20. mostra essencialmente e antes de tudo em seu caráter
histórico: não existe algo como uma liberdade constitutiva
da natureza humana considerada em si mesma. Para nós,
longe disso, a liberdade revela-se histórica de ponta a
ponta, e já no sentido de que o homem em suas origens
25. nada ostenta que poderia insinuar a presença da
liberdade. Um eu puro − mas o que poderia ser isso? Não
existe esse eu à espera de sua eclosão a ser provocada
por coisas que lhe seriam totalmente estranhas,
determinadas por uma exterioridade cega. Portanto, já
30. nesse ponto de partida histórico, parece evidente que as
origens situam-se em três níveis principais: um, de ordem
propriamente biológica, a confundir-se em suas primícias
com os enredos da evolução das espécies; já o segundo
aferra-se aos contextos sociais, e a liberdade passa a ser
35. o objetivo de uma longa e laboriosa conquista. Certamente
cabe asseverar que aquele elemento biológico integra-se a
seu modo nos processos de sociabilização política do
homem. E é por aí que deve surgir também, em terceiro
lugar, a lenta especificação das concordâncias psicológi-
40. cas. Por tais caminhos, nem há liberdade, mas liberdades
que se vão fazendo; não existe a história de uma liberdade
única, e sim a grande diversidade, as histórias das
liberdades, sempre no plural.


Obs.: Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), filósofo alemão.
(Gerd Bornheim, “As medidas da liberdade”, In O avesso da
liberdade.
Adauto Novaes (Org.). São Paulo: Companhia
das Letras, 2002. p. 41-42)

Questão:

O autor do texto, nas primeiras 22 linhas:

Resposta errada
a)

cita um Fichte para alertar acerca de certos filósofos que costumam estabelecer jogos de oposições sem consistência lógica, apesar da aparente racionalidade.

Resposta errada
b)

desvaloriza as idéias de Fichte por julgar que os contrastes do seu raciocínio são próprios de um espírito desprovido de razoabilidade, carência que não atribui a esse filósofo.

Resposta errada
c)

nega qualquer concordância com as idéias de Fichte, visto que este filósofo pensa a liberdade na sua relação com os obstáculos que a impedem.

Resposta correta
d)

apresenta a premissa de suas reflexões e alerta para que não seja confundida com idéia de Fichte, cujo discernimento relativiza.

Resposta errada
e)

detalha as idéias de Fichte e, por aproximações, defende a convergência de pressupostos e pontos de vista entre ele e o filósofo, sem negar, entretanto, diferenças de métodos.

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