O ensino tradicional de língua portuguesa investiu, erroneamente, no conhecimento da descrição da língua, supondo que a partir desse conhecimento cada um de nós melhoraria seu desempenho no uso da língua. Na verdade, a escola agiu mais ou menos como se para aprender a usar um interruptor ou uma tomada elétrica fosse necessário saber como a força da água se transforma em energia e esta em claridade na lâmpada que acendemos. Obviamente, há espaço para saber essas coisas todas e há aqueles que a elas se dedicaram e as sabem. Se precisar de uma informação, posso consultá-los. Mas o número de conhecimentos disponíveis na humanidade é imenso e muitas das tecnologias de que dispomos hoje nós sabemos usar, embora não saibamos como elas se produziram nem saibamos explicá-las. Ninguém mais é capaz de dominar o conhecimento global disponível. Mas também não temos com as coisas uma relação mágica: sabemos que as coisas podem ser explicadas ou poderão ser explicadas um dia (há muito a saber sobre o mundo). Cada um de nós, em sua área profissional, tem conhecimentos e pode transmiti-los a outros, mas nenhum de nós imagina que todos queiram saber os conhecimentos que caracterizam a nossa profissão. É preciso saber usar eficientemente, e os conhecimentos suficientes para tanto já bastam. Ninguém precisa tornar-se especialista em tudo! O conhecimento gramatical é, pois, um conhecimento necessário para aquele que se dedica ao estudo da língua e ao seu ensino, para que possa exercer dignamente seu ofício de construir situações adequadas para aquele que quer aprender a usar a língua, selecionando, inclusive, quais desses conhecimentos lhe são necessários. Mas não é um conhecimento, em seu todo, necessário para aquele que quer aprender a ler criticamente e a escrever exitosamente.
GERALDI, João W. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado de Letras, ALB, 1996. p.71-72. Excerto adaptado.
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