1 Felicidade é uma palavra pesada. Alegria é
2 leve, mas felicidade é pesada. Diante da pergunta
3 "Você é feliz?", dois fardos são lançados às costas do
4 inquirido. O primeiro é procurar uma definição para
5 felicidade, o que equivale a rastrear uma escala que
6 pode ir da simples satisfação de gozar de boa saúde
7 até a conquista da bem-aventurança. O segundo é
8 examinar-se, em busca de uma resposta. Nesse processo,
9 depara-se com armadilhas. Caso se tenha
10 ganhado um aumento no emprego no dia anterior, o
11 mundo parecerá belo e justo; caso se esteja com dor
12 de dente, parecerá feio e perverso. Mas a dor de dente
13 vai passar, assim como a euforia pelo aumento de
14 salário, e se há algo imprescindível, na difícil
15 conceituação de felicidade, é o caráter de permanência.
16 Uma resposta consequente exige colocar na balança
17 a experiência passada, o estado presente e a
18 expectativa futura. Dá trabalho, e a conclusão pode
19 não ser clara.
20 Os pais de hoje costumam dizer que importante
21 é que os filhos sejam felizes. É uma tendência
22 que se impôs ao influxo das teses libertárias dos anos
23 1960.
24 É irrelevante que entrem na faculdade, que
25 ganhem muito ou pouco dinheiro, que sejam bem-sucedidos
26 na profissão. O que espero, eis a resposta
27 correta, é que sejam felizes. Ora, felicidade é coisa
28 grandiosa. É esperar, no mínimo, que o filho sinta prazer
29 nas pequenas coisas da vida. Se não for suficiente,
30 que consiga cumprir todos os desejos e ambições
31 que venha a abrigar. Se ainda for pouco, que atinja o
32 enlevo místico dos santos. Não dá para preencher
33 caderno de encargos mais cruel para a pobre criança.
34 "É a felicidade necessária?" é a chamada de
35 capa da última revista New Yorker (22 de março) para
36 um artigo que, assinado por Elizabeth Kolbert, analisa
37 livros recentes sobre o tema. No caso, a ênfase está
38 nas pesquisas sobre felicidade (ou sobre "satisfação",
39 como mais modestamente às vezes são chamadas) e
40 no impacto que exercem, ou deveriam exercer, nas
41 políticas públicas. Um dos livros analisados, de autoria
42 do ex-presidente de Harvard Derek Bok (...) constata
43 que nos últimos 35 anos o PIB per capita dos
44 americanos aumentou de 17.000 dólares para 27.000,
45 o tamanho médio das casas cresceu 50% e as famílias
46 que possuem computador saltaram de zero para
47 70% do total. No entanto, a porcentagem dos que se
48 consideram felizes não se moveu. Conclusão do autor,
49 de lógica irrefutável e alcance revolucionário: se o
50 crescimento econômico não contribui para aumentar
51 a felicidade, "por que trabalhar tanto, arriscando desastres
52 ambientais, para continuar dobrando e redobrando
53 o PIB"?
54 Outro livro, de autoria de Carol Graham, da
55 Universidade de Maryland (...) informa que os
56 nigerianos, com seus 1.400 dólares de PIB per capita,
57 atribuem-se grau de felicidade equivalente ao dos japoneses,
58 com PIB per capita 25 vezes maior, e que os
59 habitantes de Bangladesh se consideram duas vezes
60 mais felizes que os da Rússia, quatro vezes mais ricos.
61 Surpresa das surpresas, os afegãos atribuem-se
62 bom nível de felicidade, e a felicidade é maior nas áreas
63 dominadas pelo Talibã. Os dois livros vão na mesma
64 direção das conclusões de um relatório, também
65 citado no artigo da New Yorker, preparado para o governo
66 francês por dois detentores do Nobel de Economia.
67 (...)
68 Embora embaladas com números e linguagem
69 científica, tais conclusões apenas repisariam o pedestre
70 conceito de que dinheiro não traz felicidade, não
71 fosse que ambicionam influir na formulação das políticas
72 públicas. O propósito é convidar os governantes a
73 afinar seu foco, se têm em vista o bem-estar dos governados
74 (e podem eles ter em vista algo mais relevante?).
75 Derek Bok, o autor do primeiro dos livros,
76 aconselha ao governo americano programas como
77 estender o alcance do seguro-desemprego (as pesquisas
78 apontam a perda de emprego como mais causadora
79 de infelicidade do que o divórcio), facilitar o
80 acesso a medicamentos contra a dor e a tratamentos
81 da depressão e proporcionar atividades esportivas para
82 as crianças. Bok desce ao mesmo nível terra a terra da
83 mãe que trocasse o grandioso desejo de felicidade pelo
84 de uma boa faculdade e um bom salário para o filho.
TOLEDO, Roberto Pompeu. In: Veja, 24 Mar. 2010.
A afirmativa "... se há algo imprescindível, na difícil conceituação de felicidade, é o caráter de permanência." (L. 14-16) quer dizer que
a)
se existe algo absolutamente indispensável no difícil processo de avaliar felicidade, é seu aspecto constante. |
b)
se há alguma coisa necessária na difícil representação mental de felicidade, é o seu valor intermitente. |
c)
se não se levar algo em conta no difícil julgamento de felicidade, não há permanência. |
d)
a permanência torna a busca de compreensão da felicidade algo necessário e difícil. |
e)
a continuidade é completamente inseparável da difícil formação da felicidade. |
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