Garotos podem ser maus? Embora a visão romantizada da infância sugira a existência de uma pureza primordial, crianças, como qualquer outro animal social, são capazes tanto de atitudes do mais profundo egoísmo − de crueldade mesmo − quanto de gestos altruístas. É um clássico caso de copo meio cheio ou meio vazio. E a pergunta interessante é: por que tanta gente deixa seletivamente de ver os fatos que não lhe convêm para sustentar o mito da infância angelical? Parte da resposta está na biologia. Bebês e crianças comovem e mobilizam nossos instintos de cuidadores. Estes serezinhos foram "desenhados" com características que exploram nossos vieses sensórios. Tais tra- ços são há décadas conhecidos de artistas como Walt Disney. E, se essa é a base biológica do "amor às crianças", sobre ela passaram a operar poderosos fatores culturais, que reforçaram essa predisposição natural até torná-la uma ideologia. Enquanto bebês nasciam aos borbotões e morriam em proporções parecidas − o que ocorreu durante 99,9% da história −, víamos o óbito de filhos como algo, se não natural, ao menos esperado. Evitávamos investir tudo num único rebento. Com o surgimento da família burguesa, a partir do século 16, as coisas começaram a mudar. Ter um bebê e vê-lo chegar à idade adulta deixou de ser uma aposta temerária. Estava aberto o caminho para que o amor paterno pudesse prosperar. Foi nesse contexto que surgiram, no século 18, pedagogos como Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que criou um novo conceito de infância. Jovens não deveriam ser apenas ensinados, mas educados, respeitando-se as especificidades de seu desenvolvimento natural. O problema é que essa ideia bastante plausível de Rousseau veio misturada com outras, menos razoáveis, como a balela de que o homem é originalmente bom, mas a sociedade o corrompe. Não foi preciso muito para que crianças virassem bons selvagens mirins, a encarnação da bondade primeva. O fato de Rousseau ter se tornado o filósofo mais influente da história, especialmente no pensamento de esquerda, só aumentou o vigor do mito e o tamanho do estrago provocado.
(Hélio Schwartzman, Folha de S. Paulo)
Caso um opositor das teses de Rosseau a ele se dirigisse formalmente, uma redação correta seria:
a)
Venho à presença de Vossa Eminência para manifestar meu desagrado em relação à tese da bondade natural. |
b)
Poderia Sua Senhoria explicitar outros argumentos que melhor justifiquem vossa tese? |
c)
Não posso concordar com as teses supostamente revolucionárias que Vossa Excelência vindes defendendo. |
d)
Senhor: acredito que, ao apresentar suas teses sobre a bondade natural, reveles um pensamento tendencioso. |
e)
Vossa Senhoria está, a meu ver, inteiramente equivocada quando defende as teses sobre a bondade natural. |
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.