1 No novo mundo e em especial no Brasil, onde a 2 escravidão foi particularmente cruenta e predatória, o senhor 3 podia tomar qualquer decisão quanto à vida de seu escravo, 4 conforme seu arbítrio. Se considerasse que um escravo o 5 ameaçava, podia mandar cortar seus pés, cegá-lo, supliciá-lo 6 com chibatadas ou matá-lo. A relação senhor/escravo não era 7 um pacto: o senhor não estava obrigado a preservar a vida de 8 seu escravo individual; muito ao contrário, sua liberdade de 9 tirar a vida daquele que coisificara definia sua posição de 10 senhor, tanto mais quanto o fluxo de escravos no mercado 11 lhe permitia repor o plantel s em maiores restrições. 12 A escravidão longeva acabou por abstrair o rosto do escravo, 13 despersonalizando-o e coisificando-o de maneira reiterada 14 e permanente. Ao final, restava apenas a sua cor, 15 definitivamente associada ao trabalho pesado e degradante. 16 A imagem do trabalho e do trabalhador consolidada ao 17 longo da escravidão fez-se, portanto, da sobreposição 18 de hierarquias sociais de cor, de status social associado 19 à propriedade e dedominação material e simbólica, em uma 20 mescla de sentidos que convergiram para a percepção do 21 trabalho manual como algo degradado. Dizendo-o de modo 22 mais enfático, a ética do trabalho oriunda da escravidão foi 23 uma ética de desvalorização do trabalho, e seu resgate do 24 ressaibo da impureza e da degradação levaria ainda muitas 25 décadas. Esse quadro de inércia estrutural configurou o 26 ambiente em que se teceu a sociabilidade capitalista no país.
Adalberto Cardoso. Escravidão e sociabilidade capitalista: um ensaio sobre inércia social.
In: Novos estudos - CEBRAP. São Paulo: UNESP, n./80, mar./2008, p. 25 (com adaptações).
Acerca dos sentidos e das estruturas linguísticas do texto ac ima, julgue o(s) item(ns) que se segue(m).
Copyright © Tecnolegis - 2010 - 2024 - Todos os direitos reservados.