“Deus não joga dados com o Universo”, disse Einstein, para nos assegurar que existe um plano por trás de, literalmente, tudo, e que o comportamento da matéria é lógico e previsível. A física quântica depois revelou que a matéria é mais maluca do que Einstein pensava e que o acaso rege o Universo mais do que gostaríamos de imaginar. Mas fiquemos com a palavra do velho. Deus não é um jogador, o Universo não está aí para Ele jogar contra a sorte e contra Ele mesmo. Já os semideuses que controlam o capital especulativo do planeta Terra jogam com economias inteiras e podem destruir países com um lance de dados, ou uma ordem de seus computadores, em segundos. Às vezes eles têm uma cara, e até opiniões, mas quase sempre são operadores anônimos, todos com 28 anos, e um poder sobre as nossas vidas que o Deus de Einstein invejaria. Deus, afinal, é sempre o ponto supremo de uma cosmogonia organizada, não importa qual seja a religião. Todas as igrejas têm metafísicas antigas e hierarquizadas. Todos os deuses podem tudo, mas dentro das expectativas e das tradições de seus respectivos credos. Até a onipotência tem limites. A metafísica dos operadores das bolsas de valores, dos deuses de 28 anos, é inédita. Não tem passado nem convenções. É a destilação final de uma abstração, a do capital desassociado de qualquer coisa palpável, até do próprio dinheiro. Como o dinheiro já era a representação da representação de um valor aleatório, o capital transformado em impulso eletrônico é uma abstração nos limites do nada – e é ela que rege as nossas economias e, portanto, as nossas vidas. E quem pensava ter liberado o mundo de um ideal inútil, o de sociedades regidas por abstrações como igualdade e solidariedade, se vê prisioneiro do invisível, de um sopro que ninguém controla, da maior abstração de todas.
(Adaptado de Luis Fernando Veríssimo, O mundo é bárbaro)
Considerando-se o contexto, traduz-se adequadamente o sentido de um segmento do texto em:
a)
a matéria é mais maluca do que Einstein pensava (1.º parágrafo) = nem Einstein sabia que a matéria também não joga dados. |
b)
destilação final de uma abstração (3.º parágrafo) = reversão última da imaterialidade. |
c)
uma cosmogonia organizada (2.º parágrafo) = uma ordem arbitrária do cosmos. |
d)
fiquemos com a palavra do velho (1.º parágrafo) = acolhamos a assertiva de Einstein. |
e)
se vê prisioneiro do invisível (3.º parágrafo) = torna- se refém de sua própria abstração. |
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