1 Quando o discurso político alcança seu nível mais raso, os "valores ocidentais" aparecem. Normalmente, eles são utilizados para expor "aquilo pelo qual lutamos", aquilo que pretensamente faria a diferença e a 5 superioridade moral de nossa forma de vida − esta que encontraria sua melhor realização no interior das sociedades democráticas liberais. Nesse sentido, mesmo quando criticamos nossas sociedades ocidentais, não seríamos capazes de sair do 10 horizonte normativo que define o conjunto de seus valores. Pois se, por exemplo, criticamos a falta de liberdade e a injustiça social, seria sempre em nome de valores que ainda não se realizaram, mas a respeito dos 15 quais nós, ocidentais, saberíamos, de antemão, seu sentido. Para aqueles que impostam a voz na hora de falar em nome dos valores ocidentais, não há conflitos a respeito do que liberdade, justiça e autonomia significam. 20 Não passa pela cabeça deles que talvez estejamos diante de palavras que não têm conteúdo normativo específico, mas são algo como significantes vazios, disputados por interpretações divergentes próprias a uma sociedade marcada por antagonismos 25 fundamentais. Por isso, se há algo que determina o que há de mais importante na tradição ocidental é exatamente a ideia de que não temos clareza a respeito do que nossos valores significam. Pois o que nos leva a criticar 30 aspectos fundamentais de nossa sociedade não é um déficit a propósito da realização de valores, mas um sentimento que Freud bem definiu como mal-estar, ou seja, um sofrimento indefinido que nos lembra a fragilidade de toda normatividade social extremamente 35 prescritiva. Isso talvez nos explique por que os gregos, estes que teriam inventado a democracia ocidental com seus valores, na verdade, legaram-nos apenas um valor fundamental: a suspeita de si. 40 Uma suspeita que se manifesta por meio da exigência de saber acolher o que nos é estranho, o que não porta mais nossa imagem, o que não tem mais a figura de nossa humanidade. Quem leu as tragédias de Sófocles sabe como 45 sua questão fundamental é o que ocorre quando a polis não sabe mais acolher o que ainda não tem lugar no interior de nossas formas de vida. Por outro lado, quando Ulisses, o herói de Homero, perdia-se em sua errância sem fim, suas 50 palavras para os habitantes de outras terras eram sempre a exigência de abrigar o estrangeiro. Por isso, o melhor que temos a fazer diante dos que sempre pregam os valores ocidentais é lembrá-los das palavras de Nietzche: "Muitas vezes, é necessário 55 saber se perder para poder encontrar-se".
(Vladimir Safatle. Folha de S.Paulo, opinião, terça-feira, 13 de dez. de 2011. p. 2)
Considere as assertivas a seguir.
I. A sequência Uma suspeita que se manifesta por meio da exigência de saber acolher o que nos é estranho, o que não porta mais nossa imagem, o que não tem mais a figura de nossa humanidade acolhe estruturas que, do ponto de vista semântico, são equivalentes.
II. Em um sentimento que Freud bem definiu como mal-estar, ou seja, um sofrimento indefinido que nos lembra a fragilidade de toda normatividade social extremamente prescritiva, o segmento introduzido por ou seja faz uma indicação mais acurada acerca da palavra que se acabou de apresentar, constituindo a ordem dos elementos conectados pela expressão uma questão de escolha, determinada pela direção que se quer dar ao encadeamento lógico das ideias.
III. No processo de argumentação, as situações trazidas ao texto pela referência a Sófocles e pela referência a Ulisses representam circunstâncias contraditórias e igualmente insatisfatórias, o que motiva a referência final a Nietzche, cujas palavras nenhuma conexão estabelecem com o que se tem tanto na primeira, quanto na segunda menção.
O texto abona
a)
I, apenas. |
b)
II, apenas. |
c)
II e III, apenas. |
d)
I e II, apenas. |
e)
I, II e III. |
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