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Comentários / Tribunal de Contas do Estado - TCE - Mato Grosso - Auditor Público Externo - FMP - Fundação Escola Superior do Ministério Público do RS - 2011 - Prova Matutina


Lições de Outros Animais


Lições de Outros Animais
Adair Philippsen*
 
 
“Os animais são melhores que nós!”
Ernesto Sabato
 
 1  Pena  que,  dos  demais  seres  do  reino  animal,  só  imitemos  o  sorriso  da  hiena,  as  lágrimas  do  crocodilo,  os
amigos  da  onça,  a  ferocidade  do  leão  (do  IR).  Pena  que  só  concebamos  bodes  expiatórios,  vacas  de  presépio,
ovelhas  negras, abutres,  parasitas,  chatos,  sanguessugas  etc.  Lamentável,  pois  as  lições  dos  bichos  são  bem
diversas.
2       Mantêm suas moradas, andam, voam e nadam libertos na natureza, sem a ficção do Estado constituído. Seus
líderes  não  comandam  por  medidas  provisórias.  A  convivência,  até  com  os  vegetais,  não  é  regrada  por  textos
legislativos. E nem eventuais litígios são dirimidos por tribunais. Movem-se em paz, sem moeda, e sem Executivo,
Legislativo e Judiciário e o restante do aparato estatal de segurança (as gazelas perseguidas pelos guepardos que o
digam),  transporte  (a  colisão  de  borboletas  no  ar  ou  o  excesso  de  carga  das  formigas  passam  ao  largo  de
regulamentos), saúde (não dispõem de rede hospitalar e sequer têm acesso a drogas químicas), previdência (o abate
do velho boi de canga é o exemplo clássico da falta de aposentadoria por tempo de serviço), turismo (a circulação
de andorinhas de outras  freguesias acontece sem  vistos de entrada, passaportes, alfândegas). E funciona. E como
funciona.
3                Os  cães  permanecem  de  guarda  24  horas  sem  lhes  ocorrer  exigir  a  redução  da  jornada  de  trabalho.  As
vaquinhas nas estrebarias jamais exigiram adicional de insalubridade (em contrapartida, já são acusadas – por nós é
óbvio – de contribuir com seus gases para o aumento do efeito estufa). Os pássaros canoros não exigem cachês por
seus concertos. As cigarras não entram em greve: recolhem-se. O tico-tico cria os filhos do chupim sem conceber a
idéia de despejar os intrusos do ninho. O panda, sem cobrar direitos, não se opõe à livre circulação de sua imagem.
O  macho  da  viúva-negra,  mesmo  ciente  de  que  servirá  de  pasto  à  aranha  depois  do  amor,  não  procura  analista  e
nem propõe separação à companheira. As gorilas não se submetem a cirurgia estética ou enxertos de silicone. As
aves de rapina não se escondem por temor de ordem de prisão e contra elas não se tem notícia de instauração de
CPI. Os herdeiros das cabras sacrificadas não visam à indenização sequer por dano moral. A zebra, desde sempre,
contentou-se com o figurino listrado em preto e branco sem pensar em substituir a roupa, conquanto pareça que vai
sair definitivamente de moda devido à ameaça de seu desaparecimento (por obra nossa, lógico).
4       Até em cativeiro, o comportamento dos bichos em nada lembra os humanos: está por acontecer o primeiro
motim  de  ratos  de  laboratório  ou  de  canários-belgas  em  gaiolas  ou  de  hipopótamos  em  zoológicos  ou  ainda  de
peixes em aquário.
5              São  ene  as  lições.  O  galo  lidera  o  terreiro  mesmo  sem  campanha,  eleição,  caixa  2,  e  nem  por  isso  se  faz
totalitário. O joão-de-barro constrói a casa com a idéia fixa no encanto da amada e na sorte da prole e, se enganado,
não impõe cárcere privado à la Lindembergs (des)humanos. E, ante a dor da perda de filhote por queda do ninho, o
universo  todo  sabe  que  o  infortúnio  é  obra  do  acaso  sem  a  menor  semelhança  com  o  ímpeto  bestial  do  pai  que
arremessa a filha pela janela do apartamento.
6     Talvez os exemplos comovam: fiquemos com o sabiá. É claro que nos deve sensibilizar o calvário dos animais
sob risco de extinção (alarmantes 38% das espécies do planeta) e dos que são vítimas de maus-tratos (vide cavalos
esquálidos  atrelados  a  carroças,  vira-latas  arrastados  pela  cidade,  pinguins  encharcados  de  óleo  lançado  no  mar,
ursos polares em agonia pelo degelo etc.). Mas nos fixemos nos solfejos do sabiá. É desnecessário compreender o
canto:  como  lembra  Rubem  Alves,  basta  amá-lo.  Pois,  extasiados  com  sua  melodia,  quiçá  notemos  nela  a
mensagem de que não somos melhores que os outros animais só porque não aprendemos suas melhores lições. As
lições dos selvagens...
 

Questão:

Se não houvesse a indicação de que o texto foi escrito por um juiz de direito, ainda assim poderíamos inferir que seu autor tem conhecimento das regras jurídicas, que ordenam nossa sociedade, por todas as passagens abaixo, exceto:

Resposta errada
a)

Os herdeiros das cabras sacrificadas não visam à indenização sequer por dano moral...

Resposta errada
b)

E nem eventuais litígios são dirimidos por tribunais.

Resposta errada
c)

As vaquinhas nas estrebarias jamais exigiram adicional de insalubridade...

Resposta errada
d)

Os cães permanecem de guarda 24 horas sem lhes ocorrer exigir a redução da jornada de trabalho.

Resposta correta
e)

Mas nos fixemos nos solfejos do sabiá. É desnecessário compreender o canto: como lembra Rubem Alves, basta amá-lo.

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