Não, não vou falar da moça que estava no Canadá, cujo nome não digo para não me aliar ao tam-tam dos tambores da floresta. O que pode nos interessar é a frase emitida pela agência que cuida da sua imagem – sim, já tem agência – dizendo que sua agenciada vai se “posicionar como a formadora de opinião que tem potencial para ser.” E qual é o potencial necessário para ser formador de opinião? No passado, a carteirinha de formador de opinião só era dada em função da sabedoria. Ouviam-se os sábios. Não havendo sábios disponíveis, ouvia-se, emitida pelos mais velhos, a voz da experiência. Um certo saber era necessário, fosse ele específi co ou generalizado.
Depois, deixou de ser. Nos anos em que trabalhei em publicidade, fiz várias campanhas imobiliárias com atores. Sempre os mais famosos, os que estavam nas telas da TV. Nenhum deles entendia coisa alguma do mercado de imóveis ou sequer pediu que lhe fosse mostrada e explicada a planta dos apartamentos que estava ajudando a vender. Ainda assim, sua presença era uma garantia de sucesso. Para formar a opinião alheia não é necessário sequer ter uma opinião própria relevante. No lugar da sabedoria entrou a imagem. A imagem não é a pessoa. A imagem não precisa sequer corresponder exatamente à pessoa. A imagem é um replicante, construído, às vezes com grande técnica, a partir da pessoa. Como é, então, que acreditamos nas recomendações feitas por alguém que, em termos de gente, é o equivalente a uma bolsa Vuitton vinda do Paraguai?
O mecanismo é fascinante. Se queremos uma opinião jurídica, procuramos um advogado; se queremos uma opinião de saúde, procuramos um médico; e para opinar sobre o projeto de uma ponte fazemos recurso a um engenheiro. Mas na hora de comprar um apartamento ou um carro, dois projetos de peso que empenham parte relevante do nosso orçamento, deixamos que nossa opinião seja formada por uma imagem, um quase fantasma. E seguimos o gosto de fantasmas na compra do sabonete, na preferência por uma marca, na escolha do esmalte de unhas. Não sei se Lilia Cabral já fez publicidade de massa de rejunte para azulejos ou de válvula para descarga de banheiro, sei porém que seria um sucesso, embora todos estejam cientes de que não é ela quem entende de obra e de material de construção, é Griselda, e Griselda só existe na novela e no imaginário das pessoas.
Então, o que forma opinião não é sequer a imagem. É a ação da imagem sobre o imaginário. No fim das contas, tudo se passa na nossa própria cabeça. E o que os marqueteiros fazem é estudar nossa cabeça – não uma por uma, porque isso roubaria o mercado de trabalho dos psicanalistas, mas por amostragens – para criar imagens conformes a ela e aos desejos que a habitam, imagens que aceitaremos de braços abertos, implorando por suas opiniões. E a sabedoria, onde fica? Se não vier em roupa de gala, se não avançar no red carpet, se não for muito alardeada antes e durante por todas as mídias sociais e nem tanto, se não estiver no Canadá, coitada!, ninguém a quererá, ninguém dirá para ela ai se eu te pego! Bem pensa Carlinhos Brown, que, no discurso para o possível Oscar, dirá às crianças que não copiem seus ídolos, porque “o conhecimento não está nos ídolos. Ídolo cuida de sua carreira (...). Escutem seus pais!”.
Marina Colasanti, (Estado de Minas, 09/02/2012)
No texto, parte-se do pressuposto de que:
a)
os fenômenos instantâneos de sucesso impedem a consolidação de ídolos |
b)
a perda atual de referências familiares gerou aumento do consumo infantil |
c)
o ensino superior vem oferecendo formação insuficiente aos especialistas |
d)
as imagens midiáticas suplantaram o conhecimento nas referências sociais |
e)
os psicanalistas substituíram aos marqueteiros na análise do imaginário |
No terceiro parágrafo, o exemplo de publicidade de material de construção sustenta a seguinte ideia:
a)
reforçar a tese de que apenas atores famosos promovem a venda de produtos cotidianos |
b)
demonstrar a preponderância das imagens difundidas sobre as pessoas que as representam |
c)
explicitar a vasta experiência da autora no ramo da publicidade, antecipando um comercial |
d)
refutar a imagem negativa de atores conhecidos, proveniente da competição com os novos |
e)
contrapor o sucesso instantâneo de pessoas comuns à influência de atores consagrados |
"Não havendo sábios disponíveis, ouvia-se, emitida pelos mais velhos, a voz da experiência". No período destacado, a primeira oração expressa em relação à seguinte o valor semântico de:
a)
condição |
b)
causa |
c)
consequência |
d)
concessão |
e)
modo |
"Como é, então, que acreditamos nas recomendações feitas por alguém que, em termos de gente, é o equivalente a uma bolsa Vuitton vinda do Paraguai?". O uso da 1.ª pessoa do plural, nesse trecho, provoca o efeito de:
a)
imprimir um tom estritamente impessoal ao texto dissertativo |
b)
circunscrever a narrativa a experiências particulares da autora |
c)
atenuar crítica por meio de estratégia de aproximação com o leitor |
d)
estabelecer referência exclusiva ao enunciador e seu leitor |
e)
demonstrar modéstia da autora a partir de plural aparente |
Os verbos regulares são aqueles que apresentam radical invariável e suas terminações são coincidentes com a maioria dos verbos da mesma conjugação. A alternativa em que os verbos são regulares é:
a)
"O que pode nos interessar é a frase emitida pela agência" |
b)
"Não sei se Lilia Cabral já fez publicidade de massa de rejunte" |
c)
"ninguém a quererá, ninguém dirá para ela ai se eu te pego!" |
d)
"Se não vier em roupa de gala, se não avançar no red carpet" |
e)
"para criar imagens conformes a ela e aos desejos que a habitam" |
"E seguimos o gosto de fantasmas na compra do sabonete, na preferência por uma marca, na escolha do esmalte de unhas". O uso das vírgulas nesse trecho justifica-se corretamente por marcar o seguinte fato:
a)
sequência de termos coordenados |
b)
intercalação de adjunto adverbial |
c)
inclusão de termo explicativo |
d)
elipse de elemento verbal |
e)
fronteira entre orações subordinadas |
"sequer pediu que lhe fosse mostrada e explicada a planta dos apartamentos". Nesse trecho, a palavra "que" é conjunção integrante, pois inicia uma oração substantiva. A mesma classificação ocorre em:
a)
"Não, não vou falar da moça que estava no Canadá, cujo nome não digo" |
b)
"deixamos que nossa opinião seja formada por uma imagem, um fantasma" |
c)
"Nos anos em que trabalhei em publicidade, fiz várias campanhas imobiliárias com atores" |
d)
"alguém que, em termos de gente, é o equivalente a uma bolsa Vuitton" |
e)
"dois projetos de peso que empenham parte relevante do nosso orçamento" |
"Ainda assim, sua presença era uma garantia de sucesso". Um exemplo de voz verbal idêntica à do fragmento anterior ocorre em:
a)
"A imagem não precisa sequer corresponder exatamente à pessoa" |
b)
"nossa opinião seja formada por uma imagem, um quase fantasma" |
c)
"se não for muito alardeada antes e durante por todas as mídias sociais" |
d)
"ouvia-se, emitida pelos mais velhos, a voz da experiência" |
e)
"a carteirinha de formador de opinião só era dada em função da sabedoria" |
O termo destacado está adequadamente substituído por um pronome oblíquo em:
a)
fiz várias campanhas imobiliárias / fiz-las |
b)
procuramos um médico / procuramo-no |
c)
seguimos o gosto de fantasmas / seguimos-lhe |
d)
ter uma opinião relevante / tê-la |
e)
roubaria o mercado de trabalho dos psicanalistas / roubaria-lhe |
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