O texto que segue é um excerto da parte 2, capítulo III, da obra Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas, de Vianna Moog — gaúcho de São Leopoldo (*1906 — †1988). Nesse capítulo, Moog faz um estudo comparativo entre a colonização dos EUA e a do Brasil, um paralelo entre as fundações da América inglesa e da América portuguesa.
1 Há desde logo uma fundamental diferença 2 de motivos no povoamento dos dois países: um 3 sentido inicialmente espiritual, orgânico e 4 construtivo na formação norte-americana, e um 5 sentido predatório, extrativista e quase só 6 secundariamente religioso na formação 7 brasileira. 8 Os primeiros povoadores das colônias 9 inglesas da América, principalmente os 10 puritanos do Mayflower, não vieram para o 11 Novo Mundo só ou predominantemente em 12 busca de minas de ouro e de prata e de riqueza 13 fácil. Vieram, isto sim, acossados pela 14 perseguição na pátria de origem, em busca de 15 terra onde pudessem cultuar seu Deus, ler e 16 interpretar a sua Bíblia, trabalhar, ajudarem-se 17 uns aos outros e celebrar o ritual do seu culto, 18 à sua maneira. Ao embarcarem, trazendo 19 consigo todos os haveres, mulheres e filhos, 20 deram as costas à Europa, para fundar deste 21 lado do Atlântico, uma nova pátria, a pátria 22 teocrática dos calvinistas. Não pensavam no 23 regresso; para eles só havia um modo de ser 24 agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar, 25 trabalhar e prosperar, prosperar e acumular 26 riquezas. Eram colonizadores, não 27 conquistadores. Houve depois, é certo, os que 28 desgarraram para o Oeste, à procura de minas 29 de ouro e fortuna fácil, mas, quando isso 29 aconteceu, o sentido, o ritmo da história norteamericana 30 já estava estabelecido e 31 definitivamente estabelecido, construtivo, 32 moral, orgânico. 33 No Brasil, infelizmente, ocorreu em quase 34 tudo precisamente o contrário. Os portugueses 35 que vieram ter primeiro às terras de Santa Cruz 36 eram todos fiéis vassalos de El-Rei de Portugal. 37 Se, por um lado, desejavam ampliar os 38 domínios da cristandade, “a Fé e o Império”, 39 traziam já os olhos demasiadamente dilatados 40 pela cobiça. Eram inicialmente conquistadores, 41 não colonizadores, como seriam mais tarde 42 bandeirantes e não pioneiros. Como El-Rei, 43 como toda a Corte, após a descoberta do 44 caminho das Índias, queriam despojos e 45 riquezas. E ninguém embarcava com o 46 pensamento de não mais voltar à pátria 47 lusitana. E ninguém trazia o propósito de 48 enriquecer pela constância no trabalho. 49 Deixavam atrás a pátria, os amigos, a família, 50 as ocupações normais, na esperança do 51 Eldourado.
Vianna Moog. Bandeirantes e pioneiros: Paralelo entre duas culturas.
Capítulo III: Conquista e colonização. p. 103-104. Texto adaptado.
Assinale a opção que aponta, de acordo com o excerto transcrito, o fator que, para o enunciador, é responsável por muitas das diferenças entre os EUA e o Brasil.
a)
As religiões dos dois povos que chegaram às novas terras: calvinismo e catolicismo. |
b)
A diferença dos obstáculos que os dois povos tiveram que vencer. |
c)
As razões que levaram ao povoamento das duas terras. |
d)
A maior riqueza dos territórios do norte em comparação com a riqueza dos territórios do sul. |
Considerando o ponto de vista do enunciador, escreva V se a afirmação for verdadeira e F, se for falsa. As afirmações podem estar explícitas, no texto, ou resultar de inferências.
( ) Os povoadores dos EUA tinham o propósito de ficar na nova terra, enquanto os do Brasil tinham o objetivo de enriquecer e voltar para Portugal.
( ) Os propósitos iniciais dos dois povos tiveram consequências decisivas na construção das duas nações.
( ) Os colonizadores estão para os conquistadores assim como os pioneiros estão para os bandeirantes.
( ) Era próprio dos conquistadores o espírito construtivo, enquanto o espírito predatório era próprio dos colonizadores.
( ) Os valores próprios do Calvinismo foram decisivos para o tipo de desenvolvimento das colônias norte-americanas.
Está CORRETA a seguinte sequência de cima para baixo:
a)
F, F, V, V, F. |
b)
V, V, F, F, F. |
c)
F, F, F, V, V. |
d)
V, V, V, F, V. |
O vocábulo Mayflower significa “flor de maio”. Observe com atenção o contexto em que a palavra aparece (linhas 8-22) e marque a alternativa que completa corretamente o seguinte enunciado: Com “Mayflower” se denominou
a)
a primeira igreja construída pelos calvinistas na América do Norte, à custa de muito trabalho e sacrifício. |
b)
o navio que, em 1620, atravessou o Atlântico levando os primeiros calvinistas para a América. |
c)
a primeira cidade construída pelos calvinistas na América e que ficava às margens de um lago. |
d)
a nova terra que, na chegada dos calvinistas, no mês de maio, em plena primavera, estava coberta de flores. |
Considere a seguinte passagem do texto: “em busca de minas de ouro e de prata e de riqueza fácil” (linhas 11-13) e o que se diz dela.
I. O segundo “e” do excerto não tem justificativa gramatical, mas estilística.
II. Enquanto o primeiro “e” coordena a expressão ”de minas de ouro” com a expressão “de (minas) de prata”, o segundo “e” coordena a expressão “de minas de ouro e de (minas) de prata” com a expressão “de riqueza fácil”.
III. As três locuções adjetivas — “de minas de ouro”, “de (minas) de prata” e “de riqueza fácil” — completam o sentido do substantivo “busca”.
Está CORRETO o que se diz apenas em
a)
I e III. |
b)
II e III. |
c)
I e II. |
d)
III. |
Observe o trecho seguinte e o que se diz dele, em uma perspectiva estilística: “para eles só havia um modo de ser agradável a Deus: ler a Bíblia e trabalhar, trabalhar e prosperar, prosperar e acumular riquezas” (linhas 23-26).
I. Há uma gradação ascendente, formada por três grupos de dois verbos, repetindo-se o último elemento de cada grupo no início do grupo seguinte. Essa gradação ilustra as várias etapas de trabalho por que passaram os colonizadores americanos até ficarem ricos. Não foi uma prosperidade fácil.
II. Os verbos que formam a gradação são verbos de ação, o que pode servir para ilustrar a vida laboriosa dos colonizadores das terras do norte.
III. A repetição dos verbos marca, de certa forma, o ritmo do excerto, causando a sensação do esforço empreendido pelos colonizadores para formar a nova pátria e para prosperar.
Está CORRETO o que se afirma em
a)
I e II apenas. |
b)
I e III apenas. |
c)
I, II e III. |
d)
II e III apenas. |
O texto que segue foi extraído do segundo capítulo da novela A indesejada aposentadoria, do escritor maranhense Josué Montello (*1917 — †2006). Contemporâneo dos escritores que fizeram o romance de 30, Montello enveredou por outro caminho: explorou a narrativa urbana. Escreveu uma das obras-primas da literatura brasileira: Os tambores de São Luís (1975). A novela A indesejada aposentadoria, de 1972, conta a história de Guihermino Pereira, um funcionário público, já nas vésperas de se aposentar.
53 Guilhermino pertencia a uma casta de 54 burocratas que já desapareceu de nossas 55 repartições públicas. De sua espécie talvez 56 tenha sido o derradeiro exemplar conhecido, 57 tanto no trajo quanto nos modos e na figura. 58 Nos últimos tempos de sua existência 59 medíocre, já era um anacronismo. Por isso 60 mesmo está ele a reclamar papel e tinta, 61 únicos instrumentos possíveis de sua 62 merecida sobrevivência. Não propriamente 63 para servir de paradigma, acentue-se logo — 64 mas para ilustrar e exprimir com o seu modelo 65 uma casta que o tempo consumiu. 66 Era magro, alto, rosto comprido, com um 67 pouco de poste e outro tanto de Dom Quixote. 68 Deste só tinha a figura, não a índole 69 romântica: era mesmo o oposto do 70 personagem de Cervantes, na sua conformada 71 aceitação da vida. Tinha as orelhas um pouco 72 saltadas do crânio, o pomo-de-adão saliente, 73 e era calvo, de uma calvície bem composta, 74 que lhe adoçava a fisionomia subalterna. 75 Ao chegar à repartição no seu lento passo 76 de cegonha, sempre de guarda-chuva 77 pendente do braço, trocava o paletó de 78 casemira azul por outro de alpaca preta e 79 instalava-se na sua cadeira rotativa. Sentado, 80 sua longa espinha dorsal vergava, numa curva 81 de caniço puxado pelo peixe, que no seu caso 82 eram a caneta e a pena. Quando se erguia, 83 parecia desembainhar a espinha, crescendo de 84 tamanho. 85 Guilhermino ali sentava às onze horas, ou 86 pouco antes e às cinco e trinta se levantava 87 para ir embora. Conservador por natureza, 88 teve ele a boa fortuna de servir sempre na 89 mesma repartição, no mesmo prédio e na 90 mesma sala, desde que entrou no serviço 91 público. Ao ser empossado, deram-lhe aquela 92 mesa. Não queria outra. 93 A repartição, com a sua sala, os seus 94 móveis e os seus funcionários, constituía o 95 mundo ideal de Guilhermino. Somente ali, 96 experimentava a sensação ambiental de 97 plenitude que há de gozar o peixe na água e o 98 pássaro nos ares. 99 Entretanto, malgrado a euforia que o 100 deixava mais a gosto na repartição do que na 101 porta-e-janela de seu modesto lar suburbano, 102 Guilhermino nunca deixava de abandonar a 103 mesa de trabalho à hora fixada no Regimento 104 para o fim do expediente. 105 — A lei é a lei — dizia. 106 Não há exagero em afirmar-se que a sua 107 casa de subúrbio, adornada de cortinas de 108 renda, com um vaso de tinhorão à entrada, 109 era, para ele, o lugar onde aguardava que a 110 repartição voltasse a abrir: de pijama, os pés 111 nos chinelos de trança, lendo o seu jornal ou 112 conversando com os vizinhos, estava ali de 113 passagem. 114 Para sermos exatos, era na repartição, à 115 sua mesa de trabalho, que Guilhermino 116 Pereira se sentia realmente em casa.
Josué Montello. A indesejada aposentadoria. Capítulo II, p. 11-14. Texto adaptado.
Assinale a perspectiva da qual fala o enunciador.
a)
Da perspectiva da personagem somente. |
b)
Da perspectiva da família da personagem somente. |
c)
Ora da perspectiva da personagem, ora de sua própria perspectiva. |
d)
Da sua própria perspectiva do começo até o fim do texto. |
Considere o que se diz sobre o segundo parágrafo (linhas 66–74).
I. A semelhança entre Guilhermino e Dom Quixote era somente física. Psicologicamente um era o avesso do outro.
II. Ao coordenar “poste” e “Dom Quixote” — “Era alto, magro, rosto comprido, com um pouco de poste e outro tanto de Dom Quixote.”—, o enunciador provoca a quebra do paralelismo semântico, que surpreende o leitor e tem efeito textual.
III. A aproximação de “poste” e “Quixote” pode dar, ao enunciado, inclusive pela presença do eco: oste – ote, um tom humorístico.
Está CORRETO o que se diz em
a)
I e II apenas. |
b)
I, II e III. |
c)
I e III apenas. |
d)
II e III apenas. |
Atente aos seguintes trechos e ao que é dito a respeito da atitude revelada pelo enunciador sobre o conteúdo de seu próprio enunciado.
I. “De sua espécie talvez tenha sido o derradeiro exemplar conhecido” (linhas 55- 56) — O conteúdo do enunciado não foi totalmente assumido pelo enunciador.
II. “era mesmo o oposto da personagem de Cervantes” (linhas 69-70) — O conteúdo do enunciado foi só relativamente assumido pelo enunciador.
III. “Não há exagero em afirmar-se que a sua casa de subúrbio [...] era, para ele, o lugar onde aguardava que a repartição voltasse a abrir” (linhas 106-110) — O enunciador assume totalmente a responsabilidade sobre seu discurso.
Está CORRETO o que se diz em
a)
I, II e III. |
b)
I e III apenas. |
c)
II e III apenas. |
d)
I e II apenas. |
Assinale a alternativa em que aparecem traços do tradicionalismo e/ou da índole burocrática de Guilhermino.
a)
“Era magro, alto, rosto comprido, com um pouco de poste e outro de Dom Quixote.” (linhas 66-67) |
b)
“Tinha as orelhas um pouco saltadas do crânio, o pomo-de-adão saliente, e era calvo, de uma calvície bem composta, que lhe adoçava a fisionomia subalterna.” (linhas 71-74) |
c)
“sua longa espinha dorsal vergava, numa curva de caniço puxado pelo peixe, que no seu caso eram a caneta e a pena. Quando se erguia, parecia desembainhar a espinha, crescendo de tamanho.” (linhas 80-84) |
d)
“teve ele a boa fortuna de servir sempre na mesma repartição, no mesmo prédio e na mesma sala, desde que entrou no serviço público. Ao ser empossado, deram-lhe aquela mesa. Não queria outra.” (linhas 88-92) |
O enunciador diz, entre as linhas 58 e 59, que Guilhermino "Nos últimos tempos de sua existência medíocre, já era um anacronismo”. No texto, anacronismo deve ser entendido como
a)
desacordo entre atitudes, ideias, pensamentos, conceitos, visão de mundo de alguém e a época em que esse alguém vive. |
b)
atribuição, a uma época, de ideias e sentimentos que são de outra época. |
c)
representação, nas obras de arte, de costumes e objetos de uma época a que não pertencem. |
d)
erros de datas relativas a fatos, acontecimentos, pessoas e comemorações. |
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