1 O célebre escritor francês Victor Hugo, em sua obra “Os Miseráveis”, conta-nos inesquecível e emocionante passagem: 5 “Jean Valjean, tendo servido durante 19 anos nas galés (cinco por roubar um pão para sua irmã e seus sete sobrinhos passando fome, e mais 14 por inúmeras tentativas de fuga) acaba de ser libertado. Valjean é marginalizado por todos que encontra por ser um ex- 10 presidiário, sendo expulso de todas as estalagens. Ele iria dormir na rua, mas é recebido na casa do benevolente Bispo Myriel (conhecido como senhor Benvindo), o Bispo de Digne. Mas em vez de se mostrar grato, rouba-lhe os talheres de prata durante a noite e 15 foge. Logo é preso e levado pelos policiais à presença de Benvindo. O Bispo salva-o alegando que a prata foi um presente e nessa altura dá-lhe dois castiçais de prata também, repreendendo-o por ter saído com tanta pressa que esqueceu essas peças mais valiosas. Após esta 20 demonstração de bondade, o bispo o ‘lembra’ da promessa (que Valjean não tem nenhuma lembrança de ter feito) de usar a prata para tornar-se um homem honesto”. 25 Sendo Jean Valjean rejeitado pela sociedade por ser um ex-presidiário, o Bispo Myriel muda-lhe a vida. O personagem assume uma nova identidade para seguir uma vida honesta, tornando-se proprietário de uma fábrica e prefeito. Ele adota e cria uma filha, salva uma 30 pessoa da morte e morre imaculado com uma idade avançada. As tormentosas aflições da vida, a desordem e o embate entre indivíduos na sociedade devem receber solução mais refletida e profilática do que o 35 encarceramento do ser humano nos porões de suas sombrias masmorras. Nosso ainda vigente Código de Processo Penal de 1941, em seus artigos 386 e 387, bem resume a que se presta a intervenção judiciária na discussão da 40 infração penal: ou o juiz condena ou absolve o agente. Noutras palavras, a lei penal brasileira veda terminantemente outra solução para um processo penal. É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a dignidade, afagar traumas ou acalentar o marginalizado. 45 O juiz do processo penal anda em trilhos que o escravizam, que o levam a lugar nenhum. Não deve, pela nossa lei penal, ousar o magistrado a pacificar o conflito com o óbvio e o evidente. A evolução do sistema punitivo estatal deve evoluir, para todos, sem distinção, 50 para contemplar meios e recursos que eficazmente ponham fim às causas e consequências da infração penal. A punição exemplar depois de solucionada a falta cometida talvez seja um plus descartável. O avanço destruidor do “crack” na sociedade e, 55 principalmente, na célula familiar, pode ser citado, talvez, como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém de um sistema processual penal que, definitivamente, não funciona bem. A sentença final, inflexível e indiferente ao sentimento das partes espera do juiz outra 60 coisa, mais simples, menos heroica. Não se quer, aqui, abolir a pena privativa de liberdade. Mas não se pode ter em mente a prisão como primeira e imediata resolução para o crime. Não se pode inocular o mesmo antídoto para doenças diversas. Assim 65 como a aspirina não cura o canceroso, a quimioterapia não é indicada para a dor de dente. O Direito Penal não pode, em cruel rol taxativo, estabelecer qual a melhor resposta para o crime praticado. Pode e deve, sim, estabelecer várias alternativas, rotas de auxílio, atalhos 70 para aplacar as consequências da infração e metas a serem alcançadas. Jamais ousar impor ao magistrado que a primeira e a única opção, a mais reluzente aos seus olhos, deva ser o encarceramento do ser humano. O Ministério Público e a Defensoria Pública 75 seriam os fiscais do acerto da profilaxia judicial eleita no processo penal. O irresignado poderia se insurgir quanto à solução adotada pelo juiz em cada caso concreto. A opção pela prisão do agente deverá ser a ultima ratio. A prova dos nove do que diz aqui é muito simples. O que 80 são as prisões hoje no Brasil? Escolas do crime, às vezes com mestrado e doutorado. A medicina psiquiátrica, a psicologia, a assistência social, a pedagogia, entre outras tantas ciências complexas e salvíficas, despontam em nosso 85 país, com excelentes e renomados profissionais. Temos que abrir as portas dos fóruns a essa gente dedicada e qualificada, que muitas coisas nos têm a dizer e ensinar. Assim como o inadequado uso de um antibiótico pode aniquilar seus efeitos para sempre, a prisão, como 90 resposta estatal para o crime, também pode, para sempre, destruir um ser humano, por algo que muito bem poderia ser tratado e curado de outra forma mais simples e eficaz. O legislador deve confiar no Poder Judiciário, 95 confiar na criatividade e experiência dos juízes e tribunais. Autorizar que esses agentes promovam a paz social por todas as formas possíveis, abrindo um leque infinito de opções para tanto. O rol de penas restritivas de direitos inibe a criatividade dos juízes, não se presta 100 para a infinidade de casos que se apresentam no dia a dia, sem falar que são meramente substitutivas. Enfim, esse é hoje o maior desafio que o Direito Penal deve enfrentar se quiser estar afinado com a questão da dignidade da pessoa humana. Transformar a 105 sentença penal em instrumento efetivo e concreto de pacificação social, longe de paredões e cadafalsos.
AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Direito Penal deve dar alternativas em vez de respostas.
Disponível em:
*O autor é defensor público no estado do Espírito Santo.
Diferentes vozes ecoam no texto: a voz de Victor Hugo, escritor francês do século XIX, e a de Carlos Eduardo Rios do Amaral, Defensor Público do Estado do Espírito Santo. Temporalidades e temáticas aproximam-se para defender o posicionamento de que:
a)
Privação da liberdade deve ser adotada em amplo espectro como medida profilática e penal. |
b)
As soluções refletidas devem ser adotadas para pacificar os conflitos e resgatar a dignidade humana. |
c)
As penas degradantes e os encarceramentos são medidas incontestáveis nas infrações penais, a ultima ratio. |
d)
O ser humano deve receber uma punição exemplar para pôr fim às causas e consequências da infração penal. |
Ao refletir sobre o Direito Penal, o autor do texto assume que a legislação brasileira deveria:
I. Transformar a sentença penal em instrumento de pacificação social;
II. Assumir a prisão como instrumento exclusivo na resolução de todas as formas de crimes;
III. Estabelecer alternativas consonantes com a dignidade da pessoa humana;
IV. Abolir a pena privativa de liberdade do rol das penas de profilaxia criminal;
Nas alternativas abaixo, assinale a opção CORRETA:
a)
Apenas a I está correta. |
b)
Apenas a IV está correta. |
c)
Apenas a I e a III estão corretas. |
d)
Apenas a II e a IV estão corretas. |
“Noutras palavras, a lei penal brasileira veda terminantemente outra solução para um processo penal. É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a dignidade, afagar traumas ou acalentar o marginalizado. O juiz do processo penal anda em trilhos que o escravizam, que o levam a lugar nenhum.” (linhas 41 a 46)
“O avanço destruidor do “crack” na sociedade e, principalmente, na célula familiar, pode ser citado, talvez, como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém de um sistema processual penal que, definitivamente, não funciona bem.” (linhas 54 a 58).
“Enfim, esse é hoje o maior desafio que o Direito Penal deve enfrentar se quiser estar afinado com a questão da dignidade da pessoa humana. Transformar a sentença penal em instrumento efetivo e concreto de pacificação social, longe de paredões e cadafalsos.” (linhas 102 a 106)
A partir da leitura desses fragmentos, é possível depreender que:
a)
O crack tem efeito devastador na família e, por isso, pode e deve ser tratado com o cárcere. |
b)
As infrações relacionadas ao crack têm recebido tratamento diferenciado por parte dos juristas por atingirem a base da sociedade, a família. |
c)
O usuário de crack comete inúmeras infrações, mas, por ter família, ela é que deve se responsabilizar pela regeneração do indivíduo, não os tribunais. |
d)
Os juízes deveriam olhar de modo ímpar para as infrações relacionadas ao uso do crack, tendo em vista que a prisão não resgatará a dignidade do infrator. |
O texto lido é um artigo de opinião, um gênero por meio do qual se visa a expor um posicionamento diante de algum tema. Ciente disso, pense: que função cumpre o resgate do fragmento da obra literária, alocado no início do texto?
a)
Descrever uma situação que vem marcando a prática hodierna nos tribunais brasileiros. |
b)
Argumentar em favor da carceragem como sendo hoje uma alternativa para as sentenças jurídicas. |
c)
Discutir a possibilidade de outras respostas para as sentenças proferidas em intervenções judiciárias. |
d)
Argumentar sobre o quanto a sociedade é retrógrada em sua prática jurídica, quando outras alternativas judiciais já se concretizavam há muitos anos. |
Releia o trecho: “A opção pela prisão do agente deverá ser a ultima ratio. A prova dos nove do que diz aqui é muito simples. O que são as prisões hoje no Brasil? Escolas do crime, às vezes com mestrado e doutorado.” (linhas 77 a 81). No texto, que função cumpre a pergunta? Selecione a alternativa que NÃO proponha uma justificativa possível para seu emprego:
a)
Introduzir uma nova abordagem a ser tratada no texto. |
b)
Instigar o leitor à reflexão, resgatando-lhe o conhecimento de mundo. |
c)
Chamar a atenção do leitor, mostrando-lhe que o artigo está sendo direcionado a ele. |
d)
Simular uma interação com o leitor, levando-o a compartilhar de mesma opinião. |
Retome os trechos: “A sentença final, inflexível e indiferente ao sentimento das partes espera do juiz outra coisa, mais simples, menos heroica.” (linhas 58 a 60) e “Temos que abrir as portas dos fóruns a essa gente dedicada e qualificada, que muitas coisas nos têm a dizer e ensinar.” (linhas 85 a 87). A palavra “coisa” é amplamente empregada em quase todas as situações cotidianas do brasileiro nas quais lhe faltem palavras. Seu significado é, então, muito genérico. Assim, considerando-se os contextos em que aparece e a adequação à variante formal da língua portuguesa, a palavra “coisa” pode ser substituída, respectivamente, por:
a)
"outra decisão" e "muito" |
b)
"outra atitude" e "muitas ideias" |
c)
"outro procedimento" e "muitas" |
d)
"outro comportamento" e "muitos ensinamentos" |
O 3.º e o 4.º parágrafos do texto, ambos compreendidos entre as linhas 25 e 36, estão justapostos, isto é, são interdependentes, porém, não interligados por um elemento de coesão. Com vistas a ser mantida a mesma relação semântica entre as ideias por eles veiculadas, o quarto parágrafo pode ser introduzido por:
a)
Assim. |
b)
Contudo. |
c)
Além disso. |
d)
De outro modo. |
A preposição “para” tem a função sintática de introduzir complementos. Nos contextos em que é empregada, assume variadas significações: pode indicar movimento em direção a, comparação, contribuição, dentre outras. Assinale, então, a assertiva em que essa preposição assume o mesmo sentido que em “O personagem assume uma nova identidade para seguir uma vida honesta (...)” (linhas 26 a 28):
a)
“(...) a lei penal brasileira veda terminantemente outra solução para um processo penal.” (linhas 41 e 42) |
b)
“(...) A evolução do sistema punitivo estatal deve evoluir (...) para contemplar meios e recursos (...)” (linha 48 a 50) |
c)
“O Direito Penal não pode (...) estabelecer qual a melhor resposta para o crime praticado.” (linhas 66 a 68) |
d)
“Assim como o inadequado uso de um antibiótico pode aniquilar seus efeitos para sempre (...) (linhas 88 e 89) |
Observe as sentenças a seguir, atentando-se para o emprego da conjunção “ou”:
I. “(...) ou o juiz condena ou absolve o agente.” (linha 40);
II. “É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a dignidade, afagar traumas ou acalentar o marginalizado.” (linhas 43 e 44); O emprego desse termo pode assumir dois valores diferentes: inclusão ou exclusão.
Nas construções retiradas do texto, seu uso, indica:
a)
Inclusão em I, significando “possivelmente ambos”. |
b)
Exclusão em I sendo que a primeira oração é compatível com a segunda. |
c)
Inclusão em II, em que os elementos se alternam, excluindo-se mutuamente. |
d)
Inclusão em II, significando alternância entre os segmentos e, possivelmente, a concomitância entre todos eles. |
Para empregarmos os sinais de pontuação adequadamente em nossos textos escritos, obedecemos a critérios sintáticos. A vírgula, assim, exerce importante função distintiva. Observe as vírgulas utilizadas no fragmento abaixo, delimitando os elementos em destaque, e aponte a situação que lhes justifique o emprego:
“O avanço destruidor do “crack” na sociedade e, principalmente, na célula familiar, pode ser citado, talvez, como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém de um sistema processual penal que, definitivamente, não funciona bem.”
a)
Isolar elementos repetidos. |
b)
Realçar adjuntos adverbiais. |
c)
Indicar supressão de palavras. |
d)
Separar elementos coordenados, sem uso de conectivos. |
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