Vi a menina procurar pela mãe, na multidão em frente ao edifício que pegara fogo, e ninguém dizer-lhe onde estava ela. E a menina sabia que a mãe morrera; sabia de vaga notícia, de obscura ciência, como essas coisas se sabem sem necessidade de testemunho. Ela passeava entre populares e fotógrafos o seu rostinho contraído, sua vozinha de choro, sua escassez de palavras. E quando apareceu um bombeiro para dizer-lhe que a pessoa morta não devia ser sua mãe, todos os sinais tranquilizadores que ele dava eram precisamente sinais confirmativos da perda. E a menina era apenas uma dor humilde, entre outras que latejavam naquele momento em meio à confusão das providências para apagar as chamas e salvar as vidas.
Vi a moça dependurar-se à corda, lá no alto, sua saia abrir se como uma flor redonda, parece mulher ensaiando voo, os cabelos são louros, a moça vem devagar e difícil, os braços tensos afrouxam, ela tomba no vazio. De repente não é mais nada senão uma forma chata sobre a marquise. Raro é ver a morte operar assim à plena luz, sem disfarce nem preparativo de anos e anos. A morte dando demonstração. E a morte estava solta no vão entre dois edifícios, um que se queimava, outro que assumia o papel de porto de salvação. A vida por uma corda, fora do circo, no coração do cotidiano. Uma corda que não chega a rebentar, não é preciso, as mãos da moça é que cederam.
Vi... Não vi nada disso no local, mas em casa, em preto e branco, repetido pelo televisor que captou a morte, a dor da menina, o material da tragédia no momento em que ela se fazia. A documentação hoje em dia não acompanha a vida de perto: confunde-se com a vida, e, o que é terrível, nos obriga a todos a ser espectadores de dramas que não podemos remediar, mas cujos horrores temos de contemplar de cara. A menos que desliguemos o aparelho, como o avestruz se recolhe às penas, assistimos de palanque ao incêndio, à inundação, ao terremoto.
Desses homens e mulheres sacrificados no último incêndio pode dizer-se que morreram antes da hora, não de sua própria morte, mas de outra improvisada e injusta. Arde uma casa e as chamas não matam ninguém. O que mata é a fuga ao incêndio, é a impossibilidade de fugir a ele, nesses edifícios onde tudo foi previsto menos o resguardo da vida de seus moradores. É o despreparo, a omissão, o que-nem-me-importa com o que possa acontecer, porque na maioria dos casos não acontece nada, os incêndios não são diários e metódicos. Vivemos sob o signo da ameaça, e com ele nos habituamos de tal modo que nem o sentimos. Todos esses edifícios, amontoados, colacados, como um rebanho denso, toda essa gente dormindo ou trabalhando em seus milhares de escaninhos no ar, sem garantia a não ser o acaso, previsão, sem consciência do perigo, até que um dia a moça loura se agarra desesperadamente a uma corda e depois arria como um balão tascado... É de arrepiar.
(ANDRADE, Carlos Drummond. Auto-retrato e outras crônicas. RJ: Record, 1989)
Dadas as afirmações seguintes sobre o texto,
I. No primeiro parágrafo, os sinais tranquilizadores dados pelo bombeiro reconfortaram a menina, convencendo-a de que sua mãe não estaria morta.
II. O uso repetido da conjunção “e” no início das orações do primeiro parágrafo pode ser considerado um recurso expressivo que reforça a situação desoladora da criança.
III. No terceiro parágrafo, é possível inferir que, para o narrador da crônica, é preferível assistir a um acontecimento pela televisão a vê-lo ao vivo no local em que ele ocorre.
IV. Por meio da frase “as mãos da moça é que cederam”, explicitada no final do segundo parágrafo, pode-se compreender que a morte da moça se deu, não pela fragilidade da corda, mas por ela ter afrouxado suas mãos, soltando-as da referida corda.
Verifica-se que são verdadeiras
a)
I e III, apenas. |
b)
I, apenas. |
c)
II e IV, apenas. |
d)
II, apenas. |
e)
IV, apenas. |
O uso de “cujos” em “A documentação hoje em dia não acompanha a vida de perto: confunde-se com a vida, e, o que é terrível, nos obriga a todos a ser espectadores de dramas que não podemos remediar, mas cujos horrores temos de contemplar de cara”, no penúltimo parágrafo do texto de Drummond, refere-se
a)
a dramas que não podemos remediar. |
b)
a espectadores. |
c)
à documentação. |
d)
à vida. |
e)
a espectadores de dramas que não podemos remediar. |
O uso dos dois pontos em “A documentação hoje em dia não acompanha a vida de perto: confunde-se com a vida" tem função similar na seguinte oração:
a)
Para sobreviver aos desafios do mundo moderno, são necessárias duas atitudes: coragem e coragem. |
b)
Após vinte anos, o marido não desiste: acha que encontrará sua esposa. |
c)
O governador declarou à imprensa: “na minha gestão, não haverá aumento no salário dos professores”. |
d)
Depois de pensar muito, ele assentiu: “irei ao médico”. |
e)
O senador fez duas ameaças: denunciar o ministro e romper com o partido. |
(WATTERSON, Bill. Calvin e Haroldo: e foi assim que tudo começou. SP: Conrad Editora, 2007)
Nos quadrinhos de Bill Watterson, Calvin apresenta uma personalidade irreverente. Essa característica leva o leitor a reconhecer o humor presente na passagem do terceiro para o quarto quadrinho. Dessa forma, sobre a fala do último quadrinho (“Significa que eu tenho assistido os canais errados”), pode-se inferir que
a)
Calvin acha a afirmação do jornal perturbadora, pois percebe que não tem assistido a canais em que se veiculam numerosos assassinatos. |
b)
Calvin acha a afirmação do jornal perturbadora, pois não se conforma com o fato de crianças assistirem a canais em que se veiculam assassinatos. |
c)
os canais a que Calvin tem assistido são aqueles em que aparecem os numerosos assassinatos referidos no jornal. |
d)
Calvin não sabe sintonizar os canais de sua televisão. |
e)
Calvin demonstra perplexidade diante da afirmação do jornal, concluindo que ele deve parar de assistir aos canais que veiculam muitos assassinatos. |
No terceiro quadrinho, o uso do pronome anafórico "isso" refere-se
a)
ao fato de muitas crianças, aos seis anos de idade, assistirem à televisão. |
b)
à expressão “um milhão de assassinatos na televisão”. |
c)
à afirmação lida no jornal de que a maioria das crianças com seis anos de idade assiste a um milhão de assassinatos na televisão. |
d)
à afirmação lida no jornal de que, em sua maioria, crianças, ao atingirem seis anos de idade, já viram um milhão de assassinatos na televisão. |
e)
à expressão “a maioria das crianças já viu um milhão de assassinatos na televisão”. |
Ainda que, no Brasil, haja uma forte tendência ao emprego do verbo assistir (no sentido de “ver” ou “presenciar”) como transitivo direto, de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa, nessa acepção, o verbo assistir é transitivo indireto. Em relação à norma culta, sobre o quarto quadrinho da tira de Bill Watterson, pode-se afirmar que
a)
a regência do verbo “assistir” está adequada, pois esse verbo no sentido de “presenciar, ver” não exige preposição. |
b)
a regência do verbo “assistir” está inadequada, pois deveria ser empregada da mesma forma que em "A população tem, sistematicamente, assistido às peças de teatro apresentadas em praças públicas”. |
c)
a regência do verbo “assistir” está adequada; além disso, no quadrinho, esse verbo apresenta o mesmo sentido que em “Quem assiste em alagoas é alagoano”. |
d)
a regência do verbo “assistir” está inadequada, pois “assistir” no sentido de “presenciar, ver” não exige preposição. |
e)
a regência do verbo “assistir” está inadequada; além disso, no quadrinho, esse verbo apresenta o mesmo sentido que em “O estudante de medicina tem assistido o enfermo diariamente”. |
Não podendo eliminar o resto da humanidade, suicidou-se
(FREIRE, M. Os cem menores contos brasileiros do século. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004)
Dadas as afirmações seguintes sobre o texto,
I. A expressão “o resto da humanidade” refere-se às pessoas que “restaram” da guerra, isto é, aos sobreviventes da guerra.
II. O neologismo presente no título permite relacionar o ato de suicídio do protagonista à eutanásia.
III. O suicídio do protagonista refere-se, possivelmente, à sua frustração de não poder salvar a humanidade sobrevivente.
IV. A história é narrada em terceira pessoa, o que demonstra que o narrador é uma personagem do enredo.
Verifica-se que são verdadeiras
(Questão desatualizada)
a)
I e III, apenas. |
b)
I, apenas. |
c)
II e IV, apenas. |
d)
II, apenas. |
e)
IV, apenas. |
Em qual das opções abaixo, o conectivo utilizado mais se ajusta ao desdobramento da oração subordinada reduzida de gerúndio no microconto de Glauco Mattoso?
a)
Suicidou-se, não pode, pois, eliminar o resto da humanidade. |
b)
Para que não pudesse eliminar o resto da humanidade, suicidou-se. |
c)
Suicidou-se, já que não pode eliminar o resto da humanidade. |
d)
Antes que pudesse eliminar o resto da humanidade, suicidou-se. |
e)
Não pode eliminar o resto da humanidade, no entanto suicidou-se. |
A(s) questão(ões) a seguir refere(m)-se à charge abaixo.
(http://goncalodecarvalho.blogspot.com/2011_01_01_archive.html)
Sobre a charge, não se pode afirmar que
a)
há um sentido figurado na fala “vamos pra escanteio”. |
b)
a partícula “se” é uma conjunção subordinativa condicional. |
c)
o termo “escanteio” pode ser associado no diálogo a um método para reiniciar uma nova partida no jogo da vida. |
d)
é uma alusão a uma possível situação social vulnerável que decorrerá da desapropriação de favelas para a construção de estádios para a Copa. |
e)
o uso da partícula “se”, na charge, tem a mesma função sintática que em “Se nós pudéssemos optar, não teríamos deixado que a copa de 2014 acontecesse no Brasil”. |
Assinale a opção em que a partícula “se” tem a mesma função que a empregada na charge.
a)
Ninguém sabia se estavam feridos. |
b)
Morre-se de fome no interior do país. |
c)
Os moradores da Vila do Jaraguá não se satisfizeram com a proposta das novas instalações. |
d)
A mãe se fez presente, então tudo terminou em paz. |
e)
O caso será solucionado se a comunidade organizar uma mobilização. |
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