Veja, aí estão eles, a bailar seu diabólico “pas de deux” ( *) : sentado, ao fundo do restaurante, o cliente paulista acena, assovia, agita os braços num agônico polichinelo; encostado à parede, marmóreo e impassível, o garçom carioca o ignora com redobrada atenção. O paulista estrebucha: “Amigô?!”, “Chefê?!”, “Parceirô?!”; o garçom boceja, tira um fiapo do ombro, olha pro lustre.
Eu disse “cliente paulista”, percebo a redundância: o paulista é sempre cliente. Sem querer estereotipar, mas já estereotipando: trata-se de um ser cujas interações sociais terminam, 99% das vezes, diante da pergunta “débito ou crédito?”.[...] Como pode ele entender que o fato de estar pagando não garantirá a atenção do garçom carioca? Como pode o ignóbil paulista, nascido e criado na crua batalha entre burgueses e proletários, compreender o discreto charme da aristocracia?
Sim, meu caro paulista: o garçom carioca é antes de tudo um nobre. Um antigo membro da corte que esconde, por trás da carapinha entediada, do descaso e da gravata borboleta, saudades do imperador. [...] Se deixou de bajular os príncipes e princesas do século 19, passou a servir reis e rainhas do 20: levou gim tônicas para Vinicius e caipirinhas para Sinatra, uísques para Tom e leites para Nelson, recebeu gordas gorjetas de Orson Welles e autógrafos de Rockfeller; ainda hoje fala de futebol com Roberto Carlos e ouve conselhos de João Gilberto. Continua tão nobre quanto sempre foi, seu orgulho permanece intacto.
Até que chega esse paulista, esse homem bidimensional e sem poesia, de camisa polo, meia soquete e sapatênis, achando que o jacarezinho de sua Lacoste é um crachá universal, capaz de abrir todas as portas. Ah, paulishhhhta otááário, nenhum emblema preencherá o vazio que carregas no peito - pensa o garçom, antes de conduzi-lo à última mesa do restaurante, a caminho do banheiro, e ali esquecê-lo para todo o sempre.
Veja, veja como ele se debate, como se debaterá amanhã, depois de amanhã e até a Quarta-Feira de Cinzas, maldizendo a Guanabara, saudoso das várzeas do Tietê, onde a desigualdade é tão mais organizada: “Ô, companheirô, faz meia hora que eu cheguei, dava pra ver um cardápio?!”. Acalme-se, conterrâneo. Acostume-se com sua existência plebeia. O garçom carioca não está aí para servi-lo, você é que foi ao restaurante para homenageá-lo.
(Antonio Prata, Cliente paulista, garçom carioca. Folha de S.Paulo, 06.02.2013)
(*) Um tipo de coreografia, de dança.
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
É correto dizer que a acentuação gráfica que o autor emprega tanto segue a norma-padrão quanto desobedece a ela, neste caso, numa tentativa de imitar a entonação oral do chamamento. Essa afirmação é baseada na acentuação, respectivamente, de
a)
sapatênis e Tietê. |
b)
diabólico e marmóreo. |
c)
esquecê-lo e amigô. |
d)
companheirô e débito. |
e)
chefê e parceirô. |
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
Assinale a alternativa contendo passagem em que o autor simula dialogar com o leitor.
a)
Acalme-se, conterrâneo. Acostume-se com sua existência plebeia. |
b)
Ô, companheiro, faz meia hora que eu cheguei... |
c)
Veja, aí estão eles, a bailar seu diabólico "pas de deux". |
d)
Sim, meu caro paulista... |
e)
Ah, paulishhhhta otááário... |
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
No primeiro parágrafo, para reforçar a ideia que quer transmitir, o autor se expressa por meio de uma incoerência. Assinale a alternativa com a passagem que demonstra essa afirmação.
a)
.... encostado à parede, marmóreo e impassível... |
b)
... o garçom boceja, tira um fiapo do ombro... |
c)
.... o cliente paulista acena, assovia, agita os braços... |
d)
... o garçom carioca o ignora com redobrada atenção. |
e)
.... aí estão eles, a bailar seu diabólico "pas de deux"... |
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
É correto afirmar que, no primeiro parágrafo, o autor traça um contraste entre as posturas do cliente e do garçom, contrapondo a
a)
agitação insistente do primeiro à estaticidade do segundo. |
b)
informalidade do primeiro ao profissionalismo impassível do segundo. |
c)
falta de polidez do primeiro à eficiência do segundo. |
d)
negligência do primeiro à falta de educação do segundo. |
e)
grosseria do primeiro ao cavalheirismo nobre do segundo. |
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
Infere-se, da exposição de ideias, que o autor compõe retratos bem-humorados de dois tipos,
a)
apoiando as atitudes de ambos, cujas qualidades morais destaca. |
b)
prestigiando o garçom, cuja atitude classifica de inadequada, em diversas passagens. |
c)
identificando-se com as atitudes do cliente, apesar de expressar antipatia por aquele. |
d)
tomando partido do garçom, pois, como este, o autor também é carioca. |
e)
ironizando os comportamentos de ambos, embora ele também seja paulista. |
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
O contexto em que se encontra a passagem – Se deixou de bajular os príncipes e princesas do século 19, passou a servir reis e rainhas do 20: (2.º parágrafo) leva a concluir, corretamente, que a menção a
a)
príncipes e princesas constitui uma referência em sentido não literal. |
b)
reis e rainhas constitui uma referência em sentido não literal. |
c)
príncipes, princesas, reis e rainhas constitui uma referência em sentido não literal. |
d)
príncipes, princesas, reis e rainhas constitui uma referência em sentido literal. |
e)
reis e rainhas constitui uma referência em sentido literal. |
Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).
O sentido de marmóreo (adjetivo) equivale ao da expressão de mármore. Assinale a alternativa contendo as expressões com sentidos equivalentes, respectivamente, aos das palavras ígneo e pétreo.
a)
De corda; de plástico. |
b)
De fogo; de madeira. |
c)
De madeira; de pedra. |
d)
De fogo; de pedra. |
e)
De plástico; de cinza. |
Para responder à(s) questão(ões) seguinte(s), considere a seguinte passagem:
"Sem querer estereotipar, mas já estereotipando: trata-se de um ser cujas interações sociais terminam, 99% das vezes, diante da pergunta débito ou crédito?."
Nesse contexto, o verbo estereotipar tem sentido de
a)
considerar ao acaso, sem premeditação. |
b)
aceitar uma ideia mesmo sem estar convencido dela. |
c)
adotar como referência de qualidade. |
d)
julgar de acordo com normas legais. |
e)
classificar segundo ideias preconcebidas. |
Para responder à(s) questão(ões) seguinte(s), considere a seguinte passagem:
"Sem querer estereotipar, mas já estereotipando: trata-se de um ser cujas interações sociais terminam, 99% das vezes, diante da pergunta débito ou crédito?."
Nessa passagem, a palavra cujas tem sentido de
a)
lugar, referindo-se ao ambiente em que ocorre a pergunta mencionada. |
b)
posse, referindo-se às interações sociais do paulista. |
c)
dúvida, pois a decisão entre débito ou crédito ainda não foi tomada. |
d)
tempo, referindo-se ao momento em que terminam as interações sociais. |
e)
condição em que se deve dar a transação financeira mencionada. |
Assinale a alternativa em que a oração destacada expressa finalidade, em relação à outra que compõe o período.
a)
Se deixou de bajular os príncipes e princesas do século 19, passou a servir reis e rainhas do 20... |
b)
Pensa o garçom, antes de conduzi-lo à última mesa do restaurante... |
c)
Você é que foi ao restaurante para homenageá-lo. |
d)
... nenhum emblema preencherá o vazio que carregas no peito – ... |
e)
O garçom boceja, tira um fiapo do ombro... |
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