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Informações da Prova Questões por Disciplina Prefeitura de Colômbia - SP (Prefeitura Municipal de Colômbia) - Professor de Ensino Fundamental - Matemática - CONSULPLAN (Consulplan) - 2020

Língua Portuguesa

Texto I

O sentido maior

   Quando eu era jovem, um padre dava aulas sobre Tomás de Aquino (1225-1274), doutor da igreja e teólogo global. O tema eram as cinco provas da existência de Deus. Após a exposição, o jesuíta contou, como arremate de uma boa aula, um caso sobre o doutor angélico. Disse que, após o italiano ter
escrito coisas profundas e enormes sobre a divindade, teve um êxtase místico e, segundo a narrativa, uma compreensão de Deus além da Razão, além da Escolástica, além de Aristóteles e de toda a gramática possível de um cérebro humano. Ao sair da “divina possessão”, ele emudeceu e resistiu a continuar
escrevendo sua já famosa obra. Motivo? Para ele, após o contato com Deus na forma direta que os místicos vivem, o que ele escrevera sob o rigor acadêmico e com base erudita, parecia-lhe superficial, fraco, pífio, irrelevante e tão distante do que experimentara que ficou abatido. Bem, antes de partir precocemente
do mundo, Tomás terminou ditando comentários ao Cântico dos Cânticos, o poema amoroso salomônico que possui dezenas de interpretações. Curioso que a última obra do grande intelectual católico seja sobre o amor.
   A história narrada traz uma questão que sempre me assombrou. Em todos os campos, inúmeras pessoas ao meu redor falam de uma densidade maior atrás do simples discurso ou do sentimento imediato. Sim, você pode ler os mais refinados teólogos, porém, sempre serão pálida sombra do objeto sagrado em si. O mesmo valeria para as emoções humanas como o amor. Romeu indica várias vezes a Julieta (e é correspondido) que as palavras são irrelevantes, que o que eles sentem está além da expressão delas. Já vi discursos semelhantes sobre arte e até sexo. Haveria uma densidade, uma complexidade, algo tão imenso que tudo o que eu possa expressar seria incompleto.
   Sempre desconfiei um pouco da afirmação sobre a densidade extraordinária que tornaria as coisas indizíveis. Por vezes acho que devo ter uma capacidade melhor de expressão ou uma capacidade menor de sentir. Um dos itens explica o fato de eu achar que as coisas são no limite do que consigo expressar e que não possuem uma película que esconde o “mais além” de uma metafísica absoluta.
   A leitura de boas obras sempre me pareceu muito prazerosa, muito, exatamente porque as ideias, a estética da escrita, o encadeamento de personagens ou de fatos e as soluções dos bons autores me seduzem. Uma taça boa de vinho ou uma noite amorosa são extraordinárias pelo que são em si, pelo prazer ali contido, pelas papilas gustativas agraciadas, pelos hormônios atiçados, pelos disparos de adrenalina e outras coisas. Não perco a consciência, não letivo, não transfiguro, não tenho êxtase: apenas gosto e sinto o motivo de eu gostar, alguns surpreendentes. Seria bom em descrever ou ruim em sentir de forma mais densa? Faltaria metafísica ou abundaria consciência? A descrição que alguns fazem de suas experiências sempre me pareceu fascinante e sedutora e profundamente distante do plano no qual eu sinto. Idiossincrasia? Couraça racional? Seria lucidez ou secura? Nunca saberei de fato, mas o vinho sempre pareceu bom, o texto fascinante, o sexo envolvente, o afeto belo, a boa música avassaladora e a paisagem produtora de paz interna. Já chorei de alegria diante de experiências lindas como um quadro que eu desejava conhecer ou quando desci ao Grand Canyon nos Estados Unidos. Eram lágrimas provocadas pela emoção de beleza, uma invasão positiva de muitos bons sentimentos que antigas expectativas estimularam. Era emoção, não transcendência que me derrubasse ao solo impactado pelo eterno.Vários filósofos chamaram isso de maravilhar-se, uma suspensão momentânea da racionalidade junto de incapacidade de narrar o experienciado. Mas, passado alguns instantes, recuperamos a lógica narrativa. Eu estava feliz porque era bom estar ali, porque
eu desejara estar ali, porque eu me preparara para estar ali e porque, enfim estando, se fechava um ciclo de ansiedadedesejo-prazer produzindo o momento único e... lacrimoso. Foi muito bom, excelente até, todavia foi aquilo e eu posso descrever o início, o meio e o fim daquele instante. Por vezes lembro-me da
experiência de um “banho xamânico” em Oaxaca, no México. A guia da experiência dizia que aspirássemos as plantas naquela sauna e que imaginássemos a luz lilás sobre nós. Aluno fiel, eu aspirava a planta acre que ela jogara às brasas e imaginava a luz lilás. Ao final de meia hora de exercício imaginativo, ela me
perguntou o que eu tinha sentido e eu disse: “Um cheiro forte dessa planta”. Ela insistia: “E?”. “Só”, eu respondia à desolada senhora. Eu sentira o cheiro e imaginara a luz. Foi minha experiência xamânica. Na verdade, é minha experiência de vida. As coisas são no limite do que existem, sem energias ou algo muito mais denso escondido pelo véu do discurso. Onde alguns descrevem alguém de “energia pesada”, eu vejo um chato agressivo. Não há uma “aura”, apenas frases desagradáveis ou reclamações incessantes. Onde identificam “vampiros de energia” eu vejo alguém irritante. Seria a mesma coisa? Volto ao que eu sinto (sem fazer disso uma definição de valor universal): as coisas são no limite do que existem. Dou a elas sentido, simbolismo, signos aleatórios e que dependem da minha imaginação, sem “energia”. Essa é imensa solidão da consciência, ou, ao menos, da minha consciência. Uma boa semana para todos.

(KARNAL, Leandro. Sentido maior. O Estado de São Paulo, São Paulo,19/01/2020. Caderno 2, p. C2.)

1 -

Muitos gêneros textuais circulam na esfera jornalística. Esse texto, que foi publicado no Caderno 2 do jornal “O Estado de São Paulo”, é um exemplo do gênero:

a) Editorial, por apresentar o ponto de vista do Jornal em relação ao tema abordado.
b) Reportagem, porque, além de apresentar fatos, também os interpreta analiticamente.
c) Resenha crítica, já que se trata apenas de uma apreciação dos estudos de Tomás de Aquino.
d) Artigo de opinião, pois traz comentários, análises e opinião sobre um tema específico.
2 -

Os teóricos da linguagem que defendem a descrição como um tipo textual argumentam que a presença constante de uma determinada classe de palavras caracteriza esse tipo de texto, diferenciando-o de outros tipos, como a narração e a exposição, por exemplo. Assinale a alternativa que melhor exemplifica essa afirmação.

a)Bem, antes de partir precocemente do mundo, Tomás terminou ditando comentários ao Cântico dos Cânticos […].” (1º§)
b)Vários filósofos chamam isso de maravilhar-se uma suspensão momentânea da racionalidade junto de incapacidade de narrar o experenciado.” (4º§)
c)A guia da experiência dizia que aspirássemos as plantas naquela sauna e que imaginássemos uma luz lilás sobre nós. Aluno fiel, eu aspirava a planta acre que ela jogara às brasas e imaginava a luz lilás.” (4º§)
d)Uma taça de vinho ou uma noite amorosa são extraordinárias pelo que são em si, pelo prazer ali contido, pelas papilas gustativas agraciadas, pelos hormônios atiçados, pelos disparos de adrenalina e outras coisas.” (4º§)
3 -

No primeiro parágrafo, como estratégia de introdução, o autor:

a) Faz uma declaração, na qual expõe a tese que será defendida no texto.
b) Define, com rigor acadêmico, o conceito central para a linha de raciocínio desenvolvida.
c) Parte de uma situação ficcional para fazer uma analogia com o tema que será desenvolvido.
d) Contextualiza o tema abordado no texto, ao apresentar a opinião de uma autoridade no assunto.
4 -

A descrição é considerada por alguns teóricos da Língua Portuguesa como um tipo textual que serve para indicar as impressões e as características de um objeto, pessoa, animal, lugar, acontecimento. No texto em questão, o autor defende que a descrição verbal:

a) Esconde o sentido maior que está por trás da experiência.
b) É uma capacidade humana que torna possível verbalizar as experiências.
c) Está relacionada apenas com as experiências simples, que podem ser verbalizadas.
d) Nem sempre pode ser realizada, porque há sentidos tão densos, que são indizíveis em palavras.
5 -

Em todos os campos, inúmeras pessoas ao meu redor falam de uma densidade maior atrás do simples discurso ou do sentimento imediato.” (2º§) Nesse trecho, a vírgula:

a) Isola o aposto com valor explicativo.
b) Impede que o período se torne ambíguo.
c) Separa termos que desempenham a mesma função sintática.
d) Marca a anteposição de um termo com valor adverbial, deslocado para o início da oração.
6 -

É correto afirmar que o título do texto:

a) Sintetiza o tema.
b) Não faz referência ao tema.
c) Faz uma indagação sobre o tema.
d) Apresenta a perspectiva do autor sobre o tema.
7 -

A palavra “que” pode desempenhar diferentes funções morfossintáticas na Língua Portuguesa. Assinale a alternativa em que ela desempenha a função de pronome relativo e, por isso, introduz uma oração adjetiva.

a) “A história narrada traz uma questão que sempre me assombrou.”
b) “Romeu indicava várias vezes a Julieta (e é correspondido) que as palavras são irrelevantes [...]”.
c) “por vezes acho que devo ter uma capacidade menor de expressão ou uma capacidade menor de sentir.”
d) “Disse que, após o italiano ter escrito coisas profundas e enormes sobre a divindade, teve um êxtase místico […]”.
8 -

Onde alguns descrevem alguém de ‘energia pesada’, eu vejo um chato agressivo [...]. Onde identificam ‘vampiros de energia’ eu vejo alguém irritante” (4º§) Levando em conta os conceitos de denotação e conotação, pode-se afirmar, com base no texto, que “energia pesada” e “vampiros de energia” são expressões:

a) Metafóricas, e, por isso, têm valor denotativo.
b) Que devem ser interpretadas conotativamente.
c) Que apenas o autor compreende com sentido denotativo.
d) Que todas as pessoas as interpretam com sentido conotativo.
9 -

Haveria uma densidade, uma complexidade, algo tão imenso que tudo o que eu possa expressar seria incompleto.” (2º§) Considerando o trecho é correto afirmar que:

a)

Há, respectivamente, uma relação lógica de causa e consequência.

b)

As vírgulas usadas não são obrigatórias, pois separam termos com o mesmo valor sintático.

c)

As relações lógicas de sentido estão implícitas, já que não há marcadores coesivos que as explicitem.

d)

A escrita do trecho, de acordo com a norma padrão, exige a presença de uma vírgula para separar as orações subordinadas: “Haveria uma densidade, uma complexidade, algo tão imenso, que tudo o que eu possa expressar seria incompleto”.

10 -

A leitura global do texto permite concluir que, para o autor:

a) Apenas as experiências superficiais de vida são dizíveis em palavras.
b) Às vezes, as palavras não são suficientes para revelar as impressões e sentimentos.
c) O sentido maior está na ausência de uma explicação verbal para sensações, sentimentos e impressões de experiências.
d) O mistério do sentido maior se revela por meio de uma descrição precisa e clara das características e das impressões de algo.

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