Curiosamente, viver abaixo do nível do mar explica o etos igualitarista dos holandeses. As tempestades e enchentes que se abateram sobre a Holanda nos séculos XV e XVI incutiram no povo o senso do propósito comum. O menino que tapou com o dedo o furo no dique nunca existiu. Cada cidadão tinha de contribuir para manter o país seco, carregando pesados sacos de
argila no meio da noite se um dique estivesse prestes a ruir. Uma cidade podia ser totalmente engolida pelas águas num átimo. Quem pusesse o status acima do dever era malvisto. Mesmo hoje em dia, a monarquia holandesa é ambivalente na questão da pompa e circunstância. Uma
vez por ano, a rainha anda de bicicleta e serve chocolate quente a seus criados para mostrar que é do povo.
A natureza das hierarquias é culturalmente variável. Abrange toda a gama que vai da formalidade militar germânica e as nítidas divisões de classe britânicas às atitudes desencontradas e apreço pela igualdade dos americanos. No entanto, por mais informais que sejam algumas culturas, nada se compara à negação de status naqueles que os antropólogos
chamam de “verdadeiros igualitaristas”. Estes vão muito além de ter uma rainha ciclista ou um presidente chamado Bill. A própria ideia de monarquia os deixa indignados. Refiro-me aos índios navajos, aos hotentotes, pigmeus mbuti, !kung san, inuítes e outros. Afirma-se que essas sociedades em pequena escala, povos caçadores-coletores, horticultores ou dedicados a outras ocupações, eliminam completamente as distinções de riqueza, poder e status, mantendo apenas as de gênero e as entre pais e filhos. A ênfase é na igualdade e no compartilhamento. Acredita-se que nossos ancestrais imediatos viveram desse modo por milhões de anos. Nesse caso, seriam
as hierarquias menos arraigadas do que supomos?
Houve um tempo em que os antropólogos viam o igualitarismo como um arranjo pacífico no qual as pessoas mostravam o que tinham de melhor, amando e valorizando umas às outras. Era um estado utópico em que leão e cordeiro, dizia-se, dormiam lado a lado. Não estou afirmando que tais estados estão fora de questão. De fato, noticiou-se que uma leoa nas planícies quenianas demonstrou afeição maternal por um filhote de antílope. Mas da perspectiva biológica eles são insustentáveis. Em algum momento, o auto-interesse erguerá sua hedionda cabeça: os predadores sentirão o estômago vazio e as pessoas brigarão pelos recursos. O igualitarismo não
se baseia em amor mútuo, e muito menos em passividade. É uma condição ativamente mantida que reconhece o universal desejo humano de controlar e dominar. Em vez de negarem o desejo de poder, os igualitaristas o conhecem bem demais. Lidam com ele todos os dias.
(DE WAAL, F. Eu, primata. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 96-97)
O tema do texto define-se melhor na alternativa:
a)
Condições para a existência de uma sociedade igualitária. |
b)
Diferenças políticas entre as sociedades antigas e as atuais |
c)
Empecilhos para estabelecer a fraternidade entre os homens |
d)
Diferenças entre comunidades humanas e grupos de animais. |
A relação entre os dois primeiros períodos do texto é de:
a)
Causa/explicação. |
b)
Concessão. |
c)
Finalidade. |
d)
Oposição. |
Para o autor do texto, a atitude da rainha holandesa é:
a)
Decorrente de uma exigência feita pelos cidadãos. |
b)
Coerente com a tradição igualitária de seu povo. |
c)
Incoerente com a situação geográfica do país. |
d)
Decorrente de um traço de personalidade. |
O primeiro período do texto é composto. O trecho “viver abaixo do nível do mar” é uma:
a)
Oração principal. |
b)
Oração subordinada adverbial. |
c)
Oração subordinada substantiva subjetiva. |
d)
Oração subordinada substantiva objetiva direta. |
"O menindo que tapou com o dedo o furo no dique nunca existiu.” A personagem lendária é mencionada no texto como:
a)
Símbolo do heroísmo solitário. |
b)
Metáfora do caráter nacional holandês. |
c)
Referência à ingenuidade das crenças populares. |
d)
Ironia a respeito do suposto igualitarismo holandês. |
A expressão “verdadeiros igualitaristas” é empregada pelo autor com referência:
a)
A povos de hierarquia rígida. |
b)
Ao povo norte-americano. |
c)
Ao povo holandês. |
d)
A povos primitivos. |
“Cada cidadão tinha de contribuir para manter o país seco, carregando pesados sacos de argila no meio da noite se um dique estivesse prestes a ruir.” Sobre o emprego da vírgula nesse trecho, é correto afirmar que:
a)
Serve apenas para separar duras orações, não tendo relação com o sentido do enunciado. |
b)
A vírgula foi empregada incorretamente, pois era desnecessária e não modifica o sentido do enunciado. |
c)
Evita que a expressão “país seco” possa ser considerada sujeito da forma verbal “carregando”. |
d)
Assinala uma pausa de ritmo, não tendo qualquer efeito sobre relações lógicas e de significado. |
Quanto ao emprego de tempos verbais no primeiro parágrafo, é correto afirmar que:
a)
Consiste numa alternância confusa que dificulta o entendimento da tese do autor. |
b)
Obedece ao propósito de relacionar o presente da Holanda a eventos históricos. |
c)
Opõe presente e passado, de modo a sublinhar a notável evolução da mentalidade dos holandeses. |
d)
Sublinha a descontinuidade entre as dificuldades do passado e o progresso atual da Holanda. |
Curiosamente, viver abaixo do nível do mar explica o etos igualitarista dos holandeses. As tempestades e enchentes que se abateram sobre a Holanda nos séculos XV e XVI incutiram no povo o senso do propósito comum. O menino que tapou com o dedo o furo no dique nunca existiu. Cada cidadão tinha de contribuir para manter o país seco, carregando pesados sacos de
argila no meio da noite se um dique estivesse prestes a ruir. Uma cidade podia ser totalmente engolida pelas águas num átimo. Quem pusesse o status acima do dever era malvisto. Mesmo hoje em dia, a monarquia holandesa é ambivalente na questão da pompa e circunstância. Uma vez por ano, a rainha anda de bicicleta e serve chocolate quente a seus criados para mostrar que é do povo.
A natureza das hierarquias é culturalmente variável. Abrange toda a gama que vai da formalidade militar germânica e as nítidas divisões de classe britânicas às atitudes desencontradas e apreço pela igualdade dos americanos. No entanto, por mais informais que sejam algumas culturas, nada se compara à negação de status naqueles que os antropólogos chamam de “verdadeiros igualitaristas”. Estes vão muito além de ter uma rainha ciclista ou um presidente chamado Bill. A própria ideia de monarquia os deixa indignados. Refiro-me aos índios navajos, aos hotentotes, pigmeus mbuti, !kung san, inuítes e outros. Afirma-se que essas sociedades em pequena escala, povos caçadores-coletores, horticultores ou dedicados a outras ocupações, eliminam completamente as distinções de riqueza, poder e status, mantendo apenas as de gênero e as entre pais e filhos. A ênfase é na igualdade e no compartilhamento. Acredita-se que nossos ancestrais imediatos viveram desse modo por milhões de anos.
Nesse caso, seriam as hierarquias menos arraigadas do que supomos?
Houve um tempo em que os antropólogos viam o igualitarismo como um arranjo pacífico no qual as pessoas mostravam o que tinham de melhor, amando e valorizando umas às outras. Era um estado utópico em que leão e cordeiro, dizia-se, dormiam lado a lado. Não estou afirmando que tais estados estão fora de questão. De fato, noticiou-se que uma leoa nas planícies quenianas demonstrou afeição maternal por um filhote de antílope. Mas da perspectiva biológica eles são insustentáveis. Em algum momento, o auto-interesse erguerá sua hedionda cabeça: os predadores sentirão o estômago vazio e as pessoas brigarão pelos recursos. O igualitarismo não se baseia em amor mútuo, e muito menos em passividade. É uma condição ativamente mantida que reconhece o universal desejo humano de controlar e dominar. Em vez de negarem o desejo de poder, os igualitaristas o conhecem bem demais. Lidam com ele todos os dias.
(DE WAAL, F. Eu, primata. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 96-97)
Quanto à linguagem empregada pelo autor, é correto classificá-la como:
a)
Puramente conotativa. |
b)
Predominantemente denotativa. |
c)
Predominantemente conotativa. |
d)
Equilibrada entre a conotação e a denotação. |
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