Leia atentamente alguns trechos adaptados do texto “Miss Dollar”, de Machado de Assis, que relata como uma cachorrinha pôde despertar a paixão do jovem médico Mendonça por Margarida, uma triste viúva que não acredita mais no amor. O texto é dividido pelo autor em oito capítulos que não foram aqui reproduzidos.
CAPÍTULO PRIMEIRO
Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar. Mas por outro lado, sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar-lhes Miss Dollar.
Se o leitor é rapaz e dado ao gênio melancólico, imagina que Miss Dollar é uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo à flor do rosto dois grandes olhos azuis e sacudindo ao vento umas longas tranças loiras. A moça em questão deve ser vaporosa e ideal como uma criação de Shakespeare; deve ser o contraste do roastbeef britânico, com que se alimenta a liberdade do Reino Unido. (...)
Falha desta vez a proverbial perspicácia dos leitores; Miss Dollar é uma cadelinha galga. (...) Miss Dollar, apesar de não ser mais que uma cadelinha galga, teve as honras de ver o seu nome nos papéis públicos, antes de entrar para este livro. O Jornal do Comércio e o Correio Mercantil publicaram nas colunas dos anúncios as seguintes linhas reverberantes de promessa:
“Desencaminhou-se uma cadelinha galga, na noite de ontem, 30. Acode ao nome de Miss Dollar. Quem a achou e quiser levar à Rua de Matacavalos n.º... receberá duzentos mil-réis de recompensa. (...)."
Todas as pessoas que sentiam necessidade urgente de duzentos mil-réis, e tiveram a felicidade de ler aquele anúncio, andaram nesse dia com extremo cuidado nas ruas do Rio de Janeiro, a ver se davam com a fugitiva Miss Dollar. (...)
Dr. Mendonça encontrou a cachorra (...).
Quais as razões que induziram o Dr. Mendonça a fazer coleção de cães, é coisa que ninguém podia dizer; uns queriam que fosse simplesmente paixão por esse símbolo da fidelidade ou do servilismo; outros pensavam antes que, cheio de profundo desgosto pelos homens, Mendonça achou que era de boa guerra adorar os cães.
Fossem quais fossem as razões, o certo é que ninguém possuía mais bonita e variada coleção do que ele. Tinha-os de todas as raças, tamanhos e cores. Cuidava deles como se fossem seus filhos; se algum lhe morria ficava melancólico. Quase se pode dizer que, no espírito de Mendonça, o cão pesava tanto como o amor, segundo uma expressão célebre: tirai do mundo o cão, e o mundo será um ermo.
O leitor superficial conclui daqui que o nosso Mendonça era um homem excêntrico. Não era. Mendonça era um homem como os outros; gostava de cães como outros gostam de flores. Os cães eram as suas rosas e violetas; cultivava-os com o mesmíssimo esmero. De flores gostava também; mas gostava delas nas plantas em que nasciam: cortar um jasmim ou prender um canário parecia-lhe idêntico atentado. (...)
No dia seguinte, lendo os jornais, Mendonça viu o anúncio transcrito acima, prometendo duzentos milréis a quem entregasse a cadelinha fugitiva. A sua paixão pelos cães deu-lhe a medida da dor que devia sofrer o dono ou dona de Miss Dollar , visto que chegava a oferecer duzentos mil-réis de gratificação a quem apresentasse a galga. Consequentemente resolveu restituí-la, com bastante mágoa do coração. (...)
Foi devolver a cachorra, a casa era bonita. (...) Veio um moleque saber quem estava; Mendonça disse que vinha restituir a galga fugitiva. Expansão do rosto do moleque, que correu a anunciar a boa nova. Miss Dollar , aproveitando uma fresta, precipitou-se pelas escadas acima. Dispunhase Mendonça a descer, pois estava cumprida a sua tarefa, quando o moleque voltou dizendolhe que subisse e entrasse para a sala. (...)
— Queira ter a bondade de sentar-se, disse ela designando uma cadeira à Mendonça.
— A minha demora é pequena, disse o médico sentando-se. Vim trazer-lhe a cadelinha que está comigo desde ontem...
— Não imagina que desassossego causou cá em casa a ausência de Miss Dollar...
— Imagino, minha senhora; eu também sou apreciador de cães, e se me faltasse um sentiria profundamente. A sua Miss Dollar ...
— Perdão! interrompeu a velha; minha não; Miss Dollar não é minha, é de minha sobrinha.
— Ah!...
— Ela aí vem.
Mendonça levantou-se justamente quando entrava na sala a sobrinha em questão. Era uma moça que representava vinte e oito anos, no pleno desenvolvimento da sua beleza, uma dessas mulheres que anunciam velhice tardia e imponente. (...) Mendonça nunca vira olhos verdes em toda a sua vida; disseram-lhe que existiam olhos verdes, ele sabia de cor uns versos célebres de Gonçalves Dias; mas até então os olhos verdes eram para ele a mesma coisa que a fênix dos antigos.
(...) Mendonça cumprimentou respeitosamente a recém-chegada, e esta, com um gesto, convidou-o a sentar-se outra vez.
— Agradeço-lhe infinitamente o terme restituído este pobre animal, que me merece grande estima, disse Margarida sentando-se.
— E eu dou graças a Deus por tê-lo achado; podia ter caído em mãos que o não restituíssem. (...)
Mendonça apaixona-se por Margarida e relata ao amigo:
— Compreendes agora, disse Mendonça, que eu preciso ir à casa dela; tenho necessidade de vê-la; quero ver se consigo...
Mendonça estacou.
— Acaba! disse Andrade; se consegues ser amado. Por que não? Mas desde já te digo que não será fácil.
— Por quê? — Margarida tem rejeitado cinco casamentos.
— Naturalmente não amava os pretendentes, disse Mendonça com o ar de um geômetra que acha uma solução.
— Amava apaixonadamente o primeiro, respondeu Andrade, e não era indiferente ao último.
— Houve naturalmente intriga.
— Também não. Admiras-te? É o que me acontece. É uma rapariga esquisita. Se te achas com força de ser o Colombo daquele mundo, lança-te ao mar com a armada; mas toma cuidado com a revolta das paixões, que são os ferozes marujos destas navegações de descoberta. (...)
(Disponível em: http://machado.mec.gov.br/, acesso: 01/07/2010)
Da leitura atenta dos trechos acima, está CORRETO afirmar que constituem parte de um(a):
a)
Conto tradicional. |
b)
Conto moderno. |
c)
Crônica literária. |
d)
Crônica jornalística. |
e)
Romance épico. |
Deve-se relacionar a característica de Machado de Assis dialogar literalmente com seu leitor à seguinte afirmação de Koch e Elias (2008, p.7):
a)
O leitor valida ou não as hipóteses formuladas. |
b)
O leitor precisa ter muito mais do que simplesmente possuir conhecimento linguístico para fazer uma boa leitura. |
c)
O texto não é lugar de interação de sujeitos sociais, pois a leitura é um ato solitário, não há como o leitor dialogar com o autor. |
d)
Há, em todo e qualquer texto, uma gama de implícitos que o leitor deve desvendar com a ajuda das pistas que o escritor lhe dá. |
e)
O leitor participa, de forma ativa, da construção de sentido do texto, havendo uma interação com o escritor e com o texto por meio da linguagem. |
A palavra " galga" foi empregada para:
a)
Atribuir maior expressividade ao texto, visto que está em seu sentido figurado. |
b)
Transmitir veracidade ao texto, visto que está em seu sentido denotativo. |
c)
Expressar a ironia com que o autor se refere à cachorra. |
d)
Conferir maior formalidade e expressividade ao texto chamando a atenção do leitor. |
e)
Demonstrar o imenso carinho que a dona sentia pelo animal. |
As atitudes e descrições de Mendonça no trecho o caracterizam como uma pessoa:
a)
Honesta, bondosa, mas de certa maneira, ignara e desgostosa da vida. |
b)
Íntegra, ética, madura e culta. |
c)
Excêntrica, pois colecionava cachorros. |
d)
Solitária, cuja única alegria na vida era sua coleção de cachorros. |
e)
Extremamente melancólica, reflexiva, amante da Literatura. |
Releia: " Os cães eram as suas rosas e violetas; cultivava-os com o mesmíssimo esmero."
No trecho, ocorre a seguinte figura de linguagem:
a)
Eufemismo. |
b)
Pleonasmo. |
c)
Metáfora. |
d)
Metonímia. |
e)
Comparação. |
Releia: " É uma rapariga esquisita. Se te achas com força de ser o Colombo daquele mundo, lança-te ao mar com a armada; mas toma cuidado com a revolta das paixões, que são os ferozes marujos destas navegações de descoberta."
Esta fala de Andrade revela que:
a)
Ele já conhecia muito bem a moça e aconselhava o amigo a distanciar-se dela, pois Mendonça jamais conquistaria seu amor. |
b)
Embora fosse esquisita, Mendonça certamente desbravaria o coração da rapariga. |
c)
Seria intricado, uma grande aventura e proeza se Mendonça conseguisse conquistar Margarida. |
d)
Mendonça jamais conseguiria conquistar Margarida, seria uma missão impossível, mas este deveria tentar. |
e)
Andrade tenta persuadir o amigo para que lute bravamente pelo amor de Margarida, encarando-a como um grande desafio. |
O autor faz uma longa explanação a respeito da coleção de cães de Mendonça. A partir de tais afirmações, deve-se concluir que:
a)
Como não tinha familiares, era muito melancólico e solitário, gostava da companhia dos cães, tratados como filhos. |
b)
Como era um médico, gostava de fazer experiências com os cães. |
c)
O autor não deixa claras as razões pelas quais o protagonista colecionava tais animais. |
d)
Os cães pesavam para ele tanto como o amor. |
e)
Os animais são um gosto pessoal do médico, que os trata com muito carinho. |
Leia: " Era isto o que principalmente retinha o médico aos pés da insensível viúva; não o abandonava a esperança de vencê-la." O elemento sublinhado constitui uma estratégia de:
a)
Referenciação, em que se retomam vocábulos, contribuindo assim para a coesão textual. |
b)
Substituição, em que se antecipam termos, contribuindo assim para a coesão textual. |
c)
Focalização, em que se focalizam vocábulos, contribuindo assim para a ênfase em ideias. |
d)
Desfocalização, em que se introduzem vocábulos, contribuindo assim para a suavização de ideias. |
e)
Introdução, em que se acrescentam vocábulos, contribuindo assim para a coerência textual. |
Releia: " Desencaminhou-se uma cadelinha galga, na noite de ontem, 30. Acode ao nome de Miss Dollar ."
Leia as afirmações que analisam a sintaxe e a pontuação do enunciado, e a seguir, assinale a alternativa CORRETA:
I - É constituído de períodos simples.
II - É constituído de períodos compostos.
III -O sujeito da primeira oração é oculto.
IV -O sujeito da segunda oração é indeterminado.
V -O verbo desencaminhouse é classificado como verbo intransitivo.
VI -O uso da vírgula está de acordo com a norma padrão.
a)
Somente I, IV e VI estão corretas. |
b)
Somente I, V e VI estão corretas. |
c)
Somente II, V e VI estão corretas. |
d)
Somente V e VI estão corretas. |
e)
Somente III, IV, V e VI estão corretas. |
As regras que explicam correta e respectivamente a acentuação das palavras: " Idêntico, fênix e recém" estão presentes na alternativa:
a)
Oxítona (terminada em - o), paroxítona (terminada em -x) e proparoxítona (todas têm acento). |
b)
Todas são proparoxítonas, por isso recebem acento. |
c)
Oxítona (terminada em - o), proparoxítona (todas têm acento) e paroxítona (terminada em - em). |
d)
Proparoxítona (todas têm acento), paroxítona (terminada em -x) e oxítona (terminada em - em). |
e)
Paroxítonas (terminada em -o)? paroxítona (terminada em -x) e oxítona (terminada em - em). |
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